É com esta frase e premissa nonsense que Kafka abre uma das maiores novelas literárias de todos os tempos. Narrado em terceira pessoa, A Metamorfose foi escrito em 1912 e é um dos trabalhos mais relevantes da carreira de Kafka. 

O livro narra a absurda história de um caixeiro viajante que acorda metamorfoseado em um inseto monstruoso - muito parecido com uma barata. 

O realismo da narrativa do autor logo convence e tira o foco dos motivos que poderiam levar um homem a se transformar em um inseto, dando destaque às dificuldades enfrentadas pelo protagonista desde o momento em que acordou no corpo de um inseto repulsivo.

É isso mesmo: apesar da bizarra transformação do homem em inseto da noite para o dia, a primeira preocupação de Gregor Samsa é com o trabalho e a família. Gregor é um funcionário assíduo e o principal responsável pela renda familiar que se desespera ao perceber as dificuldades que irá enfrentar para chegar ao local de trabalho nesta nova forma.

Kafka consegue transmitir toda a angústia do personagem principal que sofre com as implicações de seu novo corpo: as despesas da casa, a dedicação da irmã, o cuidado com os pais. A realidade absurda é tragada pela vida cotidiana e pela normalidade da rotina ao redor de Samsa.

O autor transita entre o drama, a tragédia e até o humor em alguns momentos. Como leitora me senti tomada por uma sensação quase claustrofóbica, sensação comum durante a leitura de outros livros de Kafka. Também é impressionante a forma como o autor consegue equilibrar o absurdo que cerca o protagonista com a normalidade do cotidiano que o deixa cada dia mais solitário e desconectado com a vida antes da metamorfose. E é neste cenário que o autor tcheco consegue trazer à tona vários dramas da condição humana: solidão, medo, insegurança e angústia em uma narrativa tensa e desesperançosa.

A Metamorfose foi publicado recentemente pela editora Antofágica, uma grata novidade no mercado editorial que presenteou os fãs de Kafka com uma edição impecável. A versão conta com ilustrações de Lourenço Mutarelli, capa de Pedro Inoue e projeto gráfico de Giovanna Cianelli. A capa dura e o papel especial contribuem para a leitura e para deixar esta edição ainda mais incrível.