"As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender."
Não é fácil encontrar as palavras certas para falar desse livro de Elena Ferrante, mas também não seria honesto da minha parte chegar aqui e falar sobre a história sem falar de como eu me senti em relação a ela.
É importante que vocês saibam que até hoje eu nunca quis ser mãe. Sim, tenho 31 anos e nunca senti esse desejo. Posso mudar amanhã, é claro, mas não posso fingir ter uma vontade que não tenho.
Acontece que na maioria das vezes que falo sobre isso escuto: "a vida não tem sentido sem filho", "ah, com certeza você vai se arrepender se não for mãe", ou ainda "uma mulher não é completa se não tiver a experiência da maternidade".
Também tem aqueles que perguntam "o que seu namorado acha disso?". Essa, provavelmente, é a pergunta mais sentido de todas...
Essas frases já me doeram muito e já me fizeram questionar se eu era ou não uma pessoa egoísta. Hoje, mais madura e mais segura das minhas escolhas, eu realmente não ligo. Sigo em frente, sendo honesta comigo, e pronto!
Talvez por isso essa leitura, que é intensa por si só, tenha sido tão marcante para mim. Elena Ferrante fala da maternidade de uma forma realista e sem nenhuma romantização.
Leda, a personagem principal, é uma mulher madura e competente, que decide tirar umas férias quando as suas filhas se mudam para outro país.
"Ninguém dependia mais dos meus cuidados, e finalmente eu não era mais um peso para mim mesma."
Acontece que quando chega ao seu destino ela encontra Nina, uma jovem mulher que está aproveitando a praia com a filha Elena, que é completamente obcecada por uma boneca e é o centro da atenção de todos, deixando a mãe e os familiares completamente esgotados.
Enquanto observa os acontecimentos rotineiros da família desconhecida, Leda relembra momentos da sua vida ao lado das filhas e questiona situações que experimentou. Essas memórias, apesar de incômodas, estavam confortáveis e seguras em sua mente, já que a família da mesa ao lado era completamente estranha e tudo o que ela tinha eram impressões.
"Eu observava minhas filhas quando elas estavam distraídas e sentia por elas uma complicada alternância de simpatia e antipatia."
Porém, em um dado momento, eles acabam sendo apresentados, o que leva a diversas situações inusitadas e deixa os sentimentos de Leda à flor da pele.
Para ela a maternidade nunca foi algo sagrado, pelo contrário... Sempre significou a privação da sua liberdade e a anulação da sua identidade. E ao se ver diante de uma jovem perdida, com uma filha no colo e um casamento aparentemente infeliz, ficou difícil controlar os seus impulsos e as suas lembranças.
"- Às vezes precisamos fugir para não morrer."
As dores do passado voltaram, as inseguranças também. Com isso, muitas revelações foram feitas e situações íntimas acabaram sendo expostas a pessoas que ela mal conhecia. De tudo, uma coisa ficou muito clara: Leda sempre amou as filhas, mas nunca amou ser mãe. E isso sempre foi angustiante e dolorido.
"- Então você voltou por amor às suas filhas?
- Não, voltei pelo mesmo motivo que me fez ir embora: por amor a mim mesma."
Lendo assim, com poucas palavras, a personagem parece muito fria, mas não! Ela é humana demais, sincera demais e intensa demais. Talvez ela represente milhares e milhares de mulheres no mundo, que desejam seguir caminhos diferentes do da maternidade, mas nem conseguem saber disso, já que desde criança escutam que nasceram para ser mães.
A obra toca no íntimo e é incrível não só pela personagem principal, mas também pela caracterização de cada uma das mulheres que aparecem ao longo da história. Elas são o centro do livro e os homens, que são poucos, não são tão inteligentes nem tão fortes como estamos acostumados a ver na televisão, no cinema e na própria literatura.
A escrita de Elena Ferrante é impecável e contribui para que a gente mergulhe intensamente na obra. Ele dói, incomoda e transforma. É o tipo de leitura que muda algo dentro da gente. Melhor não tem jeito!
"(...) uma mãe não é nada além de uma filha que brinca, aquilo me ajudava a refletir."
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Fotos: Isabela Lapa
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