As coisas simpáticas da vida
Crônica
Eu pareço escritor?, uma crônica de Felipe Braga Netto
00:00Isabela Lapa
Hoje eu tenho uma novidade para os leitores que amam crônicas!
Eu pareço escritor?
“Mais triste do que o que acontece, é o que nunca aconteceu”.
Fernando Pessoa
Aconteceu
agora. Ou quase aconteceu agora. Naquela pequena livraria perto da praça.
Aquela livraria irmã do cinema, aquela que está deixando de existir – eu soube
que só grandes livrarias existirão no mundo que coisa estranha isso. Ando
sozinho pela praça, vejo o sol e vejo o mar (o mar é só meu, você não conhece),
e acho certo ir na livraria saber como estão as coisas, o que os livros dizem
do mundo, o que eles dizem de mim. Eu só entendo um pouco o mundo a partir dos
livros, só assim.
Folheio
os livros que estão no balcão quando vejo – coração bate forte – um cuja capa é
familiar. Um homem de costas, sem camisa, chapéu de palha, entrando no mar. Acompanhando
por seus dois filhos – um garoto um pouco mais velho e a menina, mais nova, de
maiô vermelho. Deus, é o meu livro. Não vou negar que senti um prazer estranho.
Puxo conversa. E aí, meu velho, como vai? Puxa, entre os títulos principais,
hein? E a vida? Anda comendo direito? Folheio meu filho e vejo que ele está
bem, sadio, corado. Todas as páginas inteiras, capa, título e tudo. Quem são
esses amigos, pergunto? Não vá andar por aí com aqueles best-sellers metidos,
viu?
Depois de resmungar uns monossílabos (filhos
não gostam de perguntas de pais), deixo-o em paz e continuo na livraria lendo
coisas – discretamente espio de rabo de olho para ver se ele não se afasta (a
vida anda perigosa). Não passa um minuto – juro! – e uma menina, nem bonita nem
feia, magra, de olhos claros e cabelo preso, entra na pequena livraria. Folheia
displicentemente um livro de história da arte bem bonitão, larga e pega quem?
Eu sei que o leitor está me olhando torto, com ar de “ah, sei...”, mas por Deus
que ela pegou As coisas simpáticas
da vida. E passou uns breves séculos com ele na mão, ficou passeando
entre suas páginas...
Só nós dois na livraria. Eu uns três metros
dela. Ai meu Deus... Digo ou não digo? O prazer vai embora e em seu lugar chega
– sempre chega – uma antipática dúvida. O que faço? Penso em comprar o exemplar
e lhe dar de presente. Seria elegante. Penso em chegar perto e dizer: “Me
disseram que esse livro é horrível”. Seria irônico, sabe-se lá aonde ia dar.
Penso até: “Olha, você não vai acreditar, mas eu sou o autor”. Em carne, osso e
modéstia. E nem com identidade eu estava, vejam só como a vida é injusta.
Fernando Sabino reclamava que não tinha cara
de escritor. João Ubaldo foi barrado num evento em que falaria porque não teve
jeito da moça da recepção acreditar que ele era ele. Neste meu caso – mais
simples e menor – tenho certeza que ela acharia que se tratava de cantada
barata e mal executada. Porque a vida tem dessas coisas já notou? A verdade muitas vezes é inverossímil, não parece verdade. Sem falar, sem falar que... Um
dos principais talentos que me falta, mas me falta de modo brutal, é esse de
puxar conversa com desconhecidas. Por que, Deus, por que?
E ainda havia isto: ela, percebendo que eu a
observava, esperou um pouco, tive a clara sensação de que aguardava, quase
queria que eu a abordasse, dissesse algo surpreendente, talvez algo gentil.
Como isso acaba? Eu bem que podia mentir e
dizer que fomos felizes para sempre. Seria bonito, não seria verdade. Um dos
desvios de caráter daquilo que chamamos realidade é que ela (às vezes) é menos
do que devia ser. Nessa versão real e pequena das coisas ela foi embora – não
comprou o livro – e eu, depois de dois minutos, também.
Felipe Braga Netto
E então, gostaram?
Se quiserem acompanhar todas as novidades podem clicar aqui e seguir o Instagram do Felipe.
Beijos e até a próxima!
0 comentários
Obrigada por participar do nosso Universo! Seja sempre muito bem vindo...