Cia das Letras Companhia das Letras

Da Poesia, Hilda Hilst

00:00Isabela Lapa


"O que esperais de um Deus?
Ele espera dos homens que O mantenham vivo."

Hilda Hilst foi considerada uma das maiores escritores da língua portuguesa do século XX. Autora de 28 livros, ela vive isolada há 26 anos em uma fazenda em Campinas e afirma que a poesia possui relação com o que ela não entende, com a solenidade diante do mundo e com algo sagrado que ela não quer perder. 

Acontece que apesar da profundidade do seu trabalho e da diversidade dos temas que aborda em seus poemas, a sua obra não foi devidamente avaliada pela crítica. Exatamente para sanar essa falha e mostrar ao mundo o potencial do seu trabalho que a Companhia das Letras publicou a edição Da Poesia, que reúne em um único volume todas as obras da autora. 

Os poemas estão em ordem cronológica e a edição também conta com alguns versos inéditos que foram recolhidos na Casa do Sol e na Unicamp.

Mergulhar nas palavras de Hilda foi um desafio e, ao mesmo tempo, um grande prazer! Quantas surpresas encontrei nos versos escritos por ela. Quanto sentimento, quanta intensidade...

Ela fala sobre morte, erotismo, solidão, loucura, tempo, fé e muitos outros temas. Se considerarmos a época em alguns foram escritos (1950), fica fácil perceber o quanto ela é uma mulher à frente do tempo.

"Porque ai senhor
A vida é pouca:
Um bater de asa
Um só caminho
Da minha à vossa 
Casa...
E depois, nada."

 Para mostrar um pouco sobre a obra a Companhia fez um book trailer espetacular:


Vou colocar aqui alguns trechos que me chamaram mais atenção:

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
(I)


Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.


Aos amantes é lícito a voz desvanecida.
Quando acordares, um só murmúrio sobre o teu ouvido:
Ama-me. Alguém dentro de mim dirá: não é tempo, senhora,
Recolhe tuas papoulas, teus narcisos. Não vês
Que sobre o muro dos mortos a garganta do mundo
Ronda escurecida?

Não é tempo, senhora. Ave, moinho e vento
Num vórtice de sombra. Podes cantar de amor
Quando tudo anoitece? Antes lamenta
Essa teia de seda que a garganta tece.

Ama-me. Desvaneço e suplico. Aos amantes é lícito
Vertigens e pedidos. E é tão grande a minha fome
Tão intenso meu canto, tão flamante meu preclaro tecido

Que o mundo inteiro, amor, há de cantar comigo.


Dica: leiam esse livro! Vocês vão se surpreender. Tirem um tempo, leiam aos poucos, mergulhem nessas palavras...

You Might Also Like

0 comentários

Obrigada por participar do nosso Universo! Seja sempre muito bem vindo...

Acompanhe nosso Twitter

Formulário de contato