Antes do baile verde Cia das Letras

Antes do baile verde, de Lygia Fagundes Telles

00:00Isabela Lapa

Bons dias! 

Desculpem-me as leitoras* a pretensão de começar um texto à Machado, mas na falta de abertura melhor e, na ausência de criatividade que supra a falta, acho que essa faz bem as vezes. A convite da querida Isabela, vou arriscar umas palavrinhas sobre o último livro que li, e que agora recomendo para vocês: Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles. Tenho que confessar: antes da leitura desse livro, sabia que Lygia Fagundes Telles era uma escritora brasileira do séc. XX e tão somente isso. A minha motivação das escolhas de autora e obra foi muito simples e aleatória, e teve origem na leitura de uma notícia com o seguinte título: "Estudantes de Yale não querem ler só obras de homens brancos"


Isso me fez pensar: por muitas vezes, seja em se tratando de clássicos ou não, acabamos por optar pelos livros mais comentados e prestigiados que, via de regra, foram escritos por homens brancos. Não penso que necessário seja mostrar estatísticas aqui, de modo que as leitoras já devem ter parado pra pensar o quanto somos influenciadas todas sem nem mesmo nos darmos conta.


Daí, eu tomei a decisão: ler mulheres. Mais que isso, no primeiro momento, decidi ler literatura brasileira. Achei importante tanto pelo ponto de vista da promoção dessa literatura, quanto do ponto de vista pessoal. Agora, volto a confessar: a escolha da Lygia foi bem aleatória, mas foi como dizem: uma feliz coincidência. 



Ah! Tem outra coisa que eu me esqueci de mencionar: Como eu moro em Belo Horizonte, na Pampulha, e trabalho no Prado, eu leio muito no ônibus, nas ida e volta.


Considerações feitas, vamos à obra! Antes do Baile Verde é um dos livros de contos mais celebrados da autora e da literatura brasileira, tendo recebido diversos prêmios nacionais e internacionais, sendo o destaque ao Grande Prêmio Internacional Feminino para Contos Estrangeiros em Cannes. A autora foi premiada pelo conto, que dá título ao livro, em 1970, pouco após a edição AI-5, o que foi considerado um “alívio” por muitos intelectuais e seguimentos da sociedade na época.

Em seus 18 contos, somos transportadas a um tempo e a um espaço muito distantes, mas tão próximos... Eu me senti muitas vezes no Rio de Janeiro e na São Paulo dos anos 60, era como se eu vivesse entre aquelas pessoas e naquelas histórias. Lygia tem uma habilidade incrível de pegar o cotidiano, apresentar um aspecto oculto, explorar psicologicamente esse aspecto, nos levando até ao desconforto emocional e nos jogar de volta à simples e aparente normalidade da vida cotidiana que me deixou viciado por alguns momentos.
“— O que é isso? — eu perguntei ao tipo das giletes. Era o meu primeiro dia de pensão e ainda não sabia de nada. Apontei para o teto que parecia de papelão, tão forte chegava a música até nossa mesa. — Quem é que está tocando?
— É o moço do saxofone.
Mastiguei mais devagar. Já tinha ouvido antes saxofone, mas aquele da pensão eu não podia mesmo reconhecer nem aqui nem na China.
— E o quarto dele fica aqui em cima?
James meteu uma batata inteira na boca. Sacudiu a cabeça e abriu mais a boca que fumegava como um vulcão com a batata quente lá no fundo. Soprou um bocado de tempo a fumaça antes de responder.
— Aqui em cima.”
Nesses contos, vocês lerão uma série de histórias e vivências que, de tão humanas, parecem tão nossas... Seja o mistério do melancólico tocar do saxofonista, seja o passeio do casal rompido no cemitério, seja a pior ida ao cinema de uma criança com sua mãe de todos os tempos... Enfim, não quero comentar aqui todos e cada um dos contos, porque eu acho que isso pode tirar um pouco a graça da leitura, ou enviesar demais. 

Uma surpresa eu tive com o livro e vou estragar, me desculpem, leitoras. Carlos Drummond de Andrade, ao ser presenteado com o livro, escreve para Lygia Fagundes Telles uma carta extremamente amável. Não sei vocês, mas eu adoro esses “bastidores” da literatura... Deixo um pedacinho para vocês, minhas caras: 

“Sua grande força me parece estar no psicologismo oculto sob a massa de elementos realistas, assimiláveis por qualquer um. Quem quer simplesmente uma estória tem quase sempre uma estória. Quem quer a verdade subterrânea das criaturas, que o comportamento social disfarça, encontra-a maravilhosamente captada por trás da estória. Unir as duas faces, superpostas, é arte da melhor.”
Espero que vocês tenham a boa leitura que eu tive, quer seja transportadas para o Rio de Janeiro ou para a São Paulo dos anos 60, quer seja nas suas casas mesmo, ou no MOVE, ou onde quer que a arte de Lygia as leve.

Boas noites!

Bruno Constâncio. Analista Pedagógico da área de Filosofia da Editora Bernoulli. Tenho interesse por educação, política, economia, estudos de gênero, literatura e mais um monte de coisas que me deixariam até amanhã aqui escrevendo. 













*Se me permitirem (ou não) vou me dirigir às leitoras sempre no feminino. 
Fomos todos criados tendo que nos dirigir a um grupo de homens e mulheres usando o masculino, certo? 
Que tal um pouco do contrário? Espero não causar muito incômodo, mas sim um pouco de reflexão. 




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