A sensação de comprar um livro novo, abri-lo e se deleitar com a leitura é praticamente indescritível. A tecnologia, porém, pressiona mudanças de hábitos, e após muita resistência, hoje não vivo sem meu Kindle basicão e inúmeros livros na memória. No entanto, existem situações nas quais nada substitui o tradicional.
Em algum dos blogs que acompanho pelo feed de notícias, tive o interesse de ler o livro O deserto do amor, do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1952, François Mauriac. Em uma rápida busca na internet, descobri que o livro havia sido traduzido uma única vez no Brasil no ano de 1970 e que não havia nenhuma edição disponível para venda nas livrarias. Também procurei alguma versão digital, e nada. Diante disso, a solução que encontrei foi recorrer ao bom e velho sebo, nome popular de livrarias que se dedicam à troca e venda de livros usados. Nesse momento, a tecnologia me ajudou, pois foi pelo site da Estante Virtual que descobri existia uma edição do livro aqui mesmo, em Belo Horizonte.
Nome do sebo anotado, parti para o centro da capital mineira, rumo ao Edifício Maleta, tradicional reduto cultural da cidade. Com vários bares e restaurantes, a área comercial do edifício possui a maior concentração de sebos da cidade. Após me perder no meio de tantos livros, sai de lá com 3 títulos que me interessaram, além do livro que procurava.
Editado pela extinta editora carioca Opera Mundi, o livro possui capa dura com ilustração e texto dourado na capa e lombada. Pertencente à coleção Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura, que reúne clássicos de autores laureados com o Nobel, a edição possui detalhes gráficos interessantes, como títulos em vermelho, algumas ilustrações e texto em fonte grande e distribuída de maneira a possibilitar uma leitura confortável. A tradução do francês ficou a cargo de Rachel de Queiroz, importante escritora brasileira.
Sobre o livro, confesso que o título me deixou ressabiado. O deserto do amor me remeteu a algum dramalhão de novela mexicana ou a algum romance de banca de revista. Como a indicação havia sido boa, e ganhar um Nobel significa um reconhecimento pelo trabalho literário, pulei as informações introdutórias que o livro contém e fui logo para a história.
O meu preconceito com o título da obra foi superado logo nas primeiras páginas. O livro conta a história de Raymond Courrèges e a sua desilusão amorosa pela formosa Maria Cross, ferida que tempo não ajudou a curar. Raymond, no auge de seus dezessete anos, se apaixona pela casada Maria Cross em um encontro casual no bonde, a caminho de casa. Em uma relação a princípio platônica, Maria Cross preenche os pensamentos do jovem rapaz, que se dedica a encontrar aquela singular mulher.
Entre o desejo do jovem rapaz e a consumação de sua vontade, aparece a relação conflituosa de seu pai, Dr. Paul Courrèges, médico de ninguém menos que Maria Cross. Encantado pela beleza de sua paciente, o Dr. Courrège passa a conferir um atendimento especial à Maria, esperançoso de que os gestos daquele significassem algo além da relação paciente-médico.
O desenrolar da história revela a personalidade e as mudanças que ocorrem na vida das pessoas, desde os jovens, que rapidamente amadurecem, até as pessoas mais maduras, que continuam a viver com suas angústias e questões não respondidas. Mais que uma história de amor, O deserto do amor revela a diferença entre uma obra mediana e um clássico da literatura em razão da profundidade com a qual os personagens são explorados, transparecendo pelas letras impressas as emoções e os sentimentos de cada personagem.
Iniciado como um planejamento de vingança, o livro mostra que o tempo não apenas envelhece as pessoas, mas permite que fatos sejam ressignificados, o que possibilita novas perspectivas compreender nossas vidas.
A leitura foi realmente prazerosa, e com certeza recomendada. Como comentei, você não encontrará o livro nos catálogos disponíveis para venda no Brasil, criando-se assim uma ótima desculpa para que você visite algum sebo em sua cidade ou pela internet, ou ainda procure o título em alguma biblioteca próxima de você.
Fernando Ruiz Rosario. Piracicabano, graduado em Filosofia pela UFSCar e mestrando na mesma área na UFMG. Gasta seu tempo livre com fotos, livros, séries, filmes, viagens e longas discussões.
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