A insustentável insignificância das artes Crônica

A insustentável insignificância das artes

00:05Universo dos Leitores

Imaginar todas as pessoas vivendo em paz é agradável. Traduz um sonho provavelmente impossível, de alguém que outrora afirmou que o sonho havia acabado. Mas, ainda assim, tal ilusão alimenta a perspectiva de que o mundo, um dia, pode ser um lugar melhor para cada um seguir as linhas do próprio destino até se deparar com o oculto da morte. Por outro lado, imaginar todas as pessoas vivendo sem o sabor das artes é catastrófico. 

Parece exagero, eu sei. Se fizermos uma reunião com os donos do universo em mesa redonda, para discutir o que de fato é essencial para a vida sobrevivência humana, os mais insensíveis com certeza colocaria em terceiro plano a importância das artes. E, com argumentos convincentes, poderiam até convencer os outros. É fácil dizer que o homem precisa muito mais de proteínas e carboidratos do que de música, por exemplo. 

Difícil mesmo é imaginar como seria a vida sem aquele filme que nos fez experimentar emoções que, talvez, não estejam escritas nas páginas do nosso destino. Muitos passam pela vida sem conhecer um grande amor. Outros jamais terão coragem ou oportunidade de encarar aquela aventura. Porém, sentado em poltrona confortável de cinema, comendo pipoca, é possível sentir o impossível. Muitos acontecimentos perderiam a graça se aquela música não estivesse tocando, em determinado momento. O pensamento seria pobre e cinzento sem os mundos, as histórias e os personagens cativantes criados pelos melhores escritores. A beleza perderia a conotação de si mesma sem a presença de pinturas e esculturas. E por aí vai.

Mesmo que o homem jamais sentisse a necessidade de se expressar por meio de melodias ou histórias, a natureza já teria feito a parte dela. Observar um pôr do sol carregado de cores quentes e contornos quase surreais é equivalente a contemplar uma tela de um impressionista francês. Ouvir, de olhos fechados, o canto dos pássaros pode ser tão prazeroso quanto se perder em uma sinfonia. E os enredos surpreendentes da vida real são capazes de deixar qualquer escritor pretencioso com vontade de abandonar a crença de que nasceu com o dom da criatividade.

Por isso, muitos artistas — os verdadeiros e grandes, pelo menos — são consagrados, idolatrados, levados ao patamar de gênios e até endeusados. O motivo é simples. Eles conseguem, por meio de suas artes, transportar o homem a um universo reinventado — pois o que existe não basta e o inexistente é mais interessante. Eles têm a delicadeza de fazer alguém, que esteja perdido nesta terra de ninguém, reencontrar-se em suas obras, ou até ser apresentado a um lado desconhecido de si mesmo. São capazes de dar um motivo otimista àquele que já havia se fechado na desistência. 

Imaginar, de fato, é um dom. Fazer o inexiste iluminar o existente é plausível. A imaginação pode — e deve — conceber ideias para fazer deste mundo um lugar melhor. A humanidade sem as artes seria o mesmo que a Terra sem os seus 70% de água. Mas lembre-se: de toda essa água, apenas 3% é potável, propícia ao consumo saudável. Além disso, segundo previsões, ela está a cada dia se tornando raridade. Deus é mesmo um grande artista.      




           

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