Crítica Geração Editorial

Ovelha - memórias de um pastor gay, de Gustavo Magnani

00:00Universo dos Leitores

Abra esse livro e prepare-se para sentir náusea, enjoo, nojo e raiva. Não do protagonista, um pastor gay, casado, que fala sobre sexo sem nenhum pudor e que só tem o desejo de viver uma vida sem sentir culpa ou medo. Mas sim da sociedade hipócrita na qual estamos inseridos e das religiões que pregam o preconceito, que impõem regras de conduta e alienam as suas "ovelhas", enquanto fingem falar de Deus, de amor e de fé.

"Drogados, assassinos, bêbados, ladrões, mentirosos, adúlteros, caluniadores, falsos, todos sempre foram aceitos na igreja.
Gays, não.
"Amamos o pecador, mas não o pecado", quanta balela..."

Esse livro é, na verdade, um desabafo. O desabafo de um protagonista que cresce na Igreja e que não tem escolha a não ser se tornar pastor e passar todos os dias defendendo uma religião que ele não compreende e negando a sua própria essência. Contudo, quando se depara com uma doença incurável e precisa passar dias e dias em uma cama de hospital, ele decide escrever sobre a sua vida e contar ao mundo o quanto enganou a mãe, os amigos e os fiéis da Igreja, sempre tão fervorosos na tarefa de acusar e de julgar. 

Com palavras sinceras e diretas, que demonstram claramente que ele esta à flor da pele, várias partes da sua trajetória são contadas: a descoberta da homossexualidade, a relação com a família, as pressões da sociedade, as noites de sexo insano e orgasmos inesquecíveis, a culpa, a vergonha, o medo e a angústia constante causada pela necessidade de viver uma grande mentira.

"Destas memórias quero só uma coisa: o perdão pela vida que escondi - ou talvez a cura desta doença, ainda não sei."
Em cada uma dessas páginas repletas de memórias impactantes e intensas, você vai abrir os olhos para algumas verdades que talvez insista em negar e vai perceber (caso ainda tenha dúvidas) que vivemos em uma sociedade cruel, que pratica o ódio enquanto fala de amor, que quer a desigualdade enquanto levanta bandeiras de igualdade. Somos parte de um mundo em que as Igrejas falam de Deus e de amor ao próximo, mas determinam quais os próximos devem ser amados: os que não pecam, os que não fazem sexo antes do casamento e, principalmente, os que não são homossexuais. Esse, inclusive, é o crime abominável, afinal, Deus fez o homem para a mulher. E só. 

"E, por não ser homem, ter um filho soava como a maior vitória de uma vida repleta de glórias irrelevantes, comemoradas apenas pelos outros. Ele era a primeira e melhor coisa que eu verdadeiramente fizera."

Deixando de lado o protagonista, eu preciso falar do escritor: Gustavo Magnani, 20 anos, criador do Literatortura e um rapaz de coragem. Digo isso porque sem dúvida foi preciso coragem para abordar cada um dos assuntos do livro e para fugir ao senso comum ao apresentar a história de um homem que não se enquadra em nenhuma regra imposta pela sociedade e que se anula na tentativa de ser o que todos esperam que ele seja. Foi preciso coragem para mostrar o quanto estamos errados e o quanto somos cínicos, fracos e pequenos. Foi preciso coragem para mostrar que excesso de fé não é necessariamente excesso de amor, mas sim de alienação. 

E a mesma coragem que ele teve para escrever, você vai precisar encontrar para ler. Sim, é preciso coragem para encarar essas páginas do início ao fim e aceitar que muitas vezes você julgou o seu "irmão" apenas porque ele era diferente, sem parar para pensar nas consequências do seu julgamento. É preciso ter coragem para admitir que você, muitas vezes, aceita todas as imposições sociais e não luta pelas mudanças. É preciso coragem para admitir que você segue as regras sem se preocupar em questioná-las. 
Por fim, vale dizer que esta leitura revela não apenas um escritor crítico e realista, mas sim um escritor com talento para criar histórias e caracterizar personagens. Os diálogos são envolventes e os pensamentos do pastor gay são tão intensos e sinceros que emocionam e impressionam. 

Um livro incrível, inteligente, ousado e que atinge o objetivo: tirar você da sua sua zona de conforto. Sabe aquele seu amigo, seu vizinho, primo ou irmão? Pois é, essa história pode estar falando sobre ele...

"E você? Você faz o quê?
- Prefiro não dizer. Invejo sua liberdade... sua alegria... mas nem todos somos assim. Prefiro não dizer..."


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