"Este é o caso mais convincente para provar- mais convincente que qualquer um da própria bíblia - que o inferno é real. Não um fosso escaldante, não um lugar acima ou abaixo de nós, mas em nós, um lugar em nossa mente. "

Assim que recebi o livro O Demonologista, fiquei curiosa pra conhecer esta história que começa a ser narrada desde a capa: a cruz invertida, as letras douradas e a lombada sugestivamente gasta proporcionam uma viagem histórica e desde já dão o tom da história que está por vir.

Mas antes que você crie algum tipo de expectativa envolvendo exorcismos aterrorizantes, advirto: não estamos falando da figura demoníaca com chifres, vermelha e com um tridente tão representada por religiões cristãs, ou ainda sobre incontáveis possessões  e exorcismos de demônios. Em O Demonologista o diabo não tem face e se mostra onipresente, mesmo onde menos se espera. 

E é por esta razão que o demônio retratado por Pypper acaba se tornando muito mais assustador, já que ele não tem a previsibilidade da  representação mitológica.

Então vamos à história: publicado recentemente pela editora DarkSide Books, o best-seller de Andrew Pypper chegou ao Brasil narrando a vida de David Ulman, um professor de inglês especialista em mitologia e narrativa religiosa judaico-cristã, que se destaca por seus artigos e estudos do livro "O Paraíso Perdido", um poema do século XVII que retrata os eventos bíblicos de Adão e Eva sob uma perspectiva diferente, que contesta a postura divina.

Apesar de ganhar a vida estudando figuras religiosas, David é um ateu especialista em demônios "que acredita que o mal é uma invenção humana" (pag 19). David é inteligente e tem bastante senso de humor, mas enfrenta uma fase melancólica e se vê obrigado a lidar com seu divórcio e com as dúvidas relativas ao destino da filha Tess, com quem ele tem uma forte ligação. O amor por Tess e a amizade de O' Brien (amiga e confidente) são os seus únicos estímulos.

Enquanto David enfrenta o vazio que toma conta de sua vida, surge uma mulher que mudará todo o curso da história; uma personagem inominada (a quem David se refere como mulher magra) que o faz uma proposta no mínimo inusitada: a aplicação de seus conhecimentos em demonologia em um caso concreto. A princípio David se surpreende, mas acaba sendo atraído pela curiosidade e pela possibilidade de viajar com a filha para a Itália, para onde David deverá se dirigir. 

"Sua melancolia. Ou depressão. Junto com nove entre dez das doenças que estudei, diagnostiquei, busquei tratar. Chame do que você quiser, mas são só nomes diferentes para a solidão. É o que deixa a escuridão entrar. É contra isso que você deve lutar."

Já na Itália, David presencia o que parece ser uma obsessão, e no mesmo dia vê sua filha se jogar do alto de um prédio sem uma razão muito clara. Desesperado, David é levado pelas circunstâncias a acreditar que este suposto suicício de Tess foi provocado pelo demônio (o mesmo que se manifestou na cena de obsessão) e diante do último pedido de Tess para encontrá-la, ele agarra-se à esperança de rever a filha, ainda que não saiba de que maneira isto poderia acontecer e que isto conteste suas próprias crenças.

"Eis outra característica de um ser errante: emoções tão grandes que requerem superstições para explicá-las. Esse é o cerne do meu campo de estudos no final das contas. O medo- da morte, da perda, de ser abandonado- é a gênese da crença no sobrenatural."

E nesta jornada David tem que enfrentar não apenas um, mas vários demônios: medos, inseguranças, dor, perda, culpa e até mesmo suas crenças que contradizem esta sua busca pela filha. David é atraído para um emaranhado de eventos que o levam a uma viagem questionadora, em um thriller psicológico alucinante. O inferno nunca foi tão real e seu amor por Tess  o faz continuar até o fim, ainda que isto o dilacere.

O interessante é que ao ler O Demonologista, tive várias reações: me diverti com o senso de humor de David e O' Brien, me emocionei com o amor do pai pela filha Tess, refleti sobre os questionamentos levantados por David, senti medo nas cenas mais tensas, fiquei confusa lá pelo meio da história e me surpreendi positivamente com o final que me deixou pensativa por vários dias.

A narrativa de Andrew Pypper é bem direta e as notas de rodapé trazem informações bem interessantes, além de inúmeras referências. David é um personagem muito bem construído e sua vulnerabilidade nos aproxima de seu dilema ao longo da história.

Pypper não subestima seu leitor e se preocupa mais em levantar perguntas do que propor respostas, o que deixa a história muito interessante. Certo ou errado, bem ou mal,o que aconteceu afinal? Pypper deixou esta decisão em suas mãos.

Muito mais que medo, O Demonologista é um livro que provoca uma série de questionamentos que envolvem vida, morte, fé, esperança, dúvidas e escolhas, propondo uma fantástica reflexão sobre as nossas ações e motivações. Um livro que mostra que o "mal" está sempre conosco, cabendo a nós escolher deixá-lo prevalecer ou não.