A Voz do Fogo Alan Moore

A Voz do Fogo, de Alan Moore

00:32Universo dos Leitores



Como fã de Alan Moore, fiquei ainda mais impressionada ao conhecer mais uma dentre suas inúmeras habilidades, desta vez a de escritor de fantasia. Para a minha felicidade (e a de todos os seus fãs) o quadrinista, contista, roteirista, músico e cartunista faz jus à fama de gênio, atuando de forma brilhante também na literatura. 

Traduzido recentemente pela Editora Veneta, o livro conta com uma introdução que já faz a leitura valer a pena, e digo isso sem medo de parecer exagerada. Com um prefácio incrível assinado por nada mais nada menos que Neil Gaiman, A Voz do Fogo é o primeiro romance do criador de "A Piada Mortal", e me proporcionou uma das melhores experiências que já tive com um livro de fantasia.

Dividido em 12 contos, o livro é protagonizado por uma cidade. Isto mesmo: Alan Moore nos leva a uma viagem no tempo através da cidade de Northamptonshire ao longo de quase seis mil anos, que vão desde 4.000 a.c. a 1995 d.c.


Os contos podem ser lidos de forma independente, mas eles apresentam discretas ligações que desafiam o tempo e a memória. Confesso que não recomendaria a leitura fora da sequência por considerar o desenvolvimento cronológico da história algo muito especial. No fim das contas todos os contos estão conectados e relativizam sonho, realidade, tempo e espaço. 

De todas as doze épocas retratadas pelo livro, considero a primeira a mais apaixonante, e tenho certeza de que o primeiro conto é o favorito entre muitos que se encantaram pelo livro. A história se passa em 4000 a. c. e narra a vida de um nômade abandonado pela sua tribo após o falecimento da mãe. Um universo desconhecido se abre para o garoto em um mundo sem civilização, de linguagem arcaica, sem o menor laço afetivo, abandonado pela tribo onde cresceu. Um mundo selvagem e uma natureza imponente que intimidaria o mais corajoso dos seres humanos.

A linguagem do garoto nômade é um inglês absolutamente arcaico, com um número limitado de vocábulos, sem muita organização ou concordância. Fiquei deslumbrada com a capacidade de Moore de criar um cenário tão complexo e recriar um período ainda tão desconhecido através da linguagem. Ao mesmo tempo fiquei imaginando a criatividade de Moore ao idealizar tudo aquilo. Por meio das reflexões do garoto das cavernas foi possível imaginar como era a vida dos nômades nascidos há 4.000 anos a.c. e conhecer um pouco da solidão, dos medos e das crenças predominantes.

Ler um texto sem concordância e sem uma organização formal não foi fácil, já que o primeiro capítulo exigiu muita atenção, concentração e até algumas pausas ao longo da leitura. Trata-se de uma linguagem incomum e de um texto muito denso. Mas a persistência ao encarar as primeiras páginas foi recompensada: o resultado é um dos textos mais fantásticos que já pude ler. 


"Não eu posso levantar. Costas em grama estou eu, cabeça encostada em raiz de árvore. Alto em cima de eu está nada, só muito galho de árvore, onde de todas as peles é cai. Olho para baixo, de outro lado de barriga pernas e pés eu vejo, eu para fora de árvores em direção de rio, onde é alto barulho de águas. Nem uma ponte vejo eu. Não está onde eu junto. Pode é ser que eu não encontro caminho para ponte através de grosso de árvores. "



O que chama a atenção em toda a narrativa é a brilhante capacidade descritiva de Moore: ao longo das doze histórias somos levados a uma verdadeira viagem no tempo, percorrendo os cenários deslumbrantes e cuidadosamente detalhados pelo autor. O contexto histórico e a intertextualidade também estão presentes no texto de Moore.

Se você gosta de Alan Moore ou quer conhecê-lo, sugiro que você dê uma chance ao brilhante A Voz do Fogo e embarque nesta fantástica viagem no tempo.   



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