Crítica Editora Tordesilhas

Tango, com violino, de Eduardo Alves da Costa

00:00Angélica Pina

Abeliano tem setenta anos e é um professor de história da arte aposentado. Separado da mulher e com os filhos já com suas próprias famílias formadas, ele mora sozinho em um quarto de hotel por cortesia de seu amigo Ambrósio, proprietário do estabelecimento. 

Para não passar seu tempo entediado e depressivo, como acontece com muitos que chegam a essa fase da vida, Abeliano decide sair todos os dias pela cidade de São Paulo sem destino certo, viajando em ônibus coletivos, onde ele conhece diferentes tipos de pessoas, escuta conversas das mais interessantes às mais bizarras e vive diversas situações inusitadas.

“Nos últimos tempos, Abeliano tem passado boa parte de seus dias nos ônibus, viajando de um lado para outro, como uma toupeira bêbada a abrir uma rede de túneis absurdos, uma espécie de terapia peripatética, em que as pernas foram substituídas por rodas e o divã do analista por um banco volante, o que lhe possibilita adiar o mergulho no isolamento irremediável e definitivo.”

Abeliano conversa sobre os mais variados assuntos com os passageiros que encontra nos ônibus: arte, filosofia, religião, política, literatura e sobre a vida, de um modo geral, dando conselhos aos mais jovens e ouvindo casos e desabafos de quem precisa apenas de alguém que escute o que tem a dizer. Algumas vezes chega a encontrar mulheres que despertam seu interesse emocional ou sexual, como o caso de Margarita, a “mulher com nome de pizza” e Laura, que o seduz e o deixa por muito tempo “apaixonado”.

“Abeliano só se dá conta de que a garota está ao seu lado quando o ônibus faz uma curva fechada e ele sente a coxa macia e quente. Ela deve ter vinte e poucos anos. Abeliano procura manter a calma, pois esses contatos nos coletivos ocorrem com frequência. Muitas pessoas gostam de se esfregar, são saudáveis, necessitam de contato humano, íntimo. E não se pense que minha idade constitua impedimento. Há moças que se sentem atraídas pela naftalina, como se lhes desse um prazer especial encoxar velhinhos, algo muito próximo a desvirginar garotinhos, dois extremos da caridade – iniciação à vida e banquete de despedida.”
Theo é o amigo inseparável de Abeliano, que tem quase sua idade, mas ainda trabalha em uma loja de fantasias. Abeliano o coloca em grandes enrascadas, aproveitando-se da ingenuidade do amigo, que costuma cair facilmente na lábia do aposentado. Theo é inseguro e tímido, mas um dia é convencido a colocar uma peruca e passa a se sentir muito melhor consigo, provando que um pequeno detalhe pode mudar completamente uma pessoa.

“Será que você ainda não percebeu que neste país um sujeito com mais de sessenta anos adquire o dom da invisibilidade?! Você pode andar pela rua, entrar numa repartição pública, ir ao baile, almoçar no restaurante, de peruca, sem peruca ou com uma peruca de duas cores, metade ruiva, metade morena, vestido de odalisca ou pelado, que ninguém, estou dizendo, absolutamente ninguém vai botar os olhos na sua insignificante e envelhecida pessoa! Para gente como nós, meu caro, acta est fabula, a representação terminou!”

Tango, com violino é um romance que traz Eduardo Alves da Costa, contista, pintor e poeta, de volta à cena literária. Sua ideia é trazer uma história que aborda a velhice de forma irreverente, através de um personagem que não se entrega às dificuldades impostas pela idade. Com uma linguagem rica, de alguém claramente experiente na área da escrita, o livro traz situações engraçadas e outras que provocam reflexão e questionamentos.
O que torna a leitura um pouco cansativa é que a narrativa (em terceira pessoa) é uma sequência sem marcações de diálogos, a voz do narrador se mistura às vozes dos personagens e em alguns momentos isso incomoda, pois é preciso muita atenção para saber quem está falando. Alguns debates sobre temas mais complexos também cansam e acho que não fariam falta se não existissem. Em minha opinião, o livro destina-se a adultos, adolescentes e jovens provavelmente não vão achar a leitura muito agradável.

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1 comentários

  1. E não é que achei esse livro maravilhoso?! Há um tempo atrás, estava viajando a trabalho para São Paulo. Não conhecia a cidade e foi um encantamento sem fim, desde o primeiro dia. Fiquei deslumbrado com a vida que a cidade mesma tem. Dei uma de Abelardo e fui "bater perna" pelas ruas, descobrindo lugares e sensações. Senti uma identificação muito forte com a história contada no livro. A narrativa me pegou de jeito, com um humor sutil, linguagem boa, fácil. Adorei!

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