“Eu gostaria que você pudesse me dizer onde está agora. Sei que está morta, mas acho que tem alguma coisa da gente que não desaparece simplesmente. Está escuro lá fora. E você está lá. Em algum lugar. Eu te deixaria entrar aqui.”
Eu sempre gostei de cartas. No meu guarda-roupa tem uma caixa enorme onde coloco todas que já recebi. Sim, são várias... São cartas de amizade, bilhetes com mensagens de carinho, cartas de amor, cartões de aniversário, de natal etc. Sem dúvida é uma caixa que contém lembranças especiais, relatos de momentos importantes e também de alguns momentos tristes. Ah, com certeza vou rir e chorar muito quando for reler tudo que tem lá dentro.
No entanto, nunca tinha pensado nelas como uma forma de reencontro, de descoberta. Um reencontro com a nossa essência, uma forma de descobrir quem queremos e podemos ser. Uma maneira de sair daquele silêncio angustiante e ensurdecedor... Mas foi exatamente isso que elas representaram na vida de Laurel, nossa protagonista e narradora.
Após perder a irmã, Laurel passou a vivenciar uma fase de dor e negação, afinal, May era amada e idolatrada por todos, era a sua referência de como agir e de como se comportar perante o mundo. Fechada em seu universo solitário e sem saber muito bem como lidar com o turbilhão de pensamentos e ideias, só conseguiu se sentir melhor quando começou a colocar em prática um trabalho escolar que consistia em escrever cartas para alguém que já morreu.
“É mentira que a dor aproxima as pessoas. Cada um de nós era uma ilha – meu pai na casa, minha mãe no apartamento para onde tinha se mudado alguns anos antes, e eu indo de um lado para o outro em silêncio, fora de órbita, incapaz de suportar os últimos meses do fundamental.”
Diferente do que você pode imaginar, Laurel não escreveu para May, mas sim para os seus ídolos eternos, entre eles, Kurt Cobain, Jim Morrison, Judy Garlang, Elizabeth Bishop, Amy Winehouse etc. Enquanto contava sua vida a eles, ela explica os motivos pelos quais eles foram importantes ou marcaram determinados momentos.
Talvez, escrever cada uma daquelas palavras para destinatários sem endereço tenha sido uma fuga, um meio de não se encontrar com a verdadeira responsável por toda aquela dor: May. Mas sem dúvida esse processo intermediário lhe permitiu amadurecer e encarar a vida com as suas ausências e as suas fatalidades.
"Havia uma barreira entre mim e o mundo. Parecia uma grande parede de vidro, espessa demais para ser atravessada. Eu poderia fazer novos amigos, mas eles nunca me conheceriam, não de verdade, porque nunca conheceriam minha irmã, a pessoa que eu mais amava no mundo. E nunca saberiam o que eu fiz. Eu precisava aceitar que estava do outro lado de uma parede intransponível."
Aos poucos ela foi percebendo que existiam outras pessoas, outras possibilidades de ser feliz e que May não era perfeita, não era um exemplo a ser seguido, mas sim uma pessoa como qualquer outra, repleta de erros e acertos, de qualidades e de defeitos. Uma pessoa imperfeita.
Na medida em que fez novos amigos e descobriu novos sentimentos, foi usando dos seus ídolos e das experiências que eles tiveram para descobrir quem ela queria se tornar e como fazer para alcançar esses objetivos. Somente após muitas dificuldades e muito amadurecimento, ela conseguiu encontrar a forma exata para se livrar de toda a dor e seguir o seu caminho com liberdade. Como? Você terá que ler...
“(…) Você acha que conhece alguém, mas essa pessoa sempre muda, e você também está em transformação. De repente entendi que estar vivo é isso. Nossas próprias placas invisíveis se movem em nosso corpo, e se alinham à pessoa que vamos nos tornar.”
Acredito que todos que já sofreram uma perda sabem o quanto é difícil acordar sem alguém que se ama e com a certeza de que essa pessoa nunca mais estará ali, nunca mais será tocada e que quando você sentir saudades, a única que terá serão as lembranças. Só que esse não é um livro sobre a perda em si, mas sim sobre uma forma se lidar com ela, a melhor e única forma: encarando.
Com uma linguagem sensível e delicada, a história é absolutamente tocante e envolvente. Ao mesmo tempo em que apresenta um relato comovente das mudanças enfrentadas por Laurel, aborda temas delicados e importantes, que merecem atenção de todos nós.
"Sei que escrevi cartas para pessoas sem-endereço neste mundo. Sei que vocês estão mortos. Mas posso ouvir vocês. Ouço todos vocês. Nós estivemos aqui. Nossa vida teve valor."
Sem dúvida uma leitura que vale a pena, que vai te emocionar, te encantar e te ensinar muito não só sobre as perdas como também sobre a juventude. Porque por mais que pareça, não é fácil ser jovem e desenvolver uma personalidade.
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