Contos Crônica

Um conto sobre flores, por Angélica Pina

00:00Angélica Pina

Olá, leitores!

Hoje decidi compartilhar com vocês um conto que escrevi ano passado e estava aqui guardadinho "na gaveta".

SOBRE FLORES
Ester sonhava em ter um lindo jardim em seu quintal. Ela era uma garota moderna, morava sozinha aos vinte e poucos anos, tinha um bom emprego e pagava suas próprias contas. Mas isso não fazia dela uma mulher insensível, pelo contrário, ela era meiga e delicada, por isso achava que para seu lar doce lar ter “a sua cara”, um jardim com flores de todas as cores seria perfeito. Desde criança, ela sempre fora encantada pelo que sua avó possuía em casa. Sempre que ia aos domingos para os almoços de família na casa da mãe de sua mãe, Ester passava boa parte do tempo admirando os detalhes das tantas espécies que eram cultivadas ali. 

A garota cresceu, se ocupou com várias atividades e a correria do dia a dia, aliada à procrastinação que insistia de modo irritante em fazer parte de seu modo de ser, adiou o sonho antigo. O canteiro florido de sua vizinha a inspirava e trazia à memória seus planos de ter suas próprias flores cultivadas. Até que um dia Ester ganhou um vaso com belas begônias vermelhas. Ela decidiu que aquele era o começo. Dedicou seu amor e atenção àquele vaso como a um filho (bem, ela ainda não tinha filhos, mas era outro sonho de sua lista de coisas a realizar). Ao acordar sempre dava um sonoro e animado “Bom dia” às suas preciosas companheiras. Colocava água antes de sair para o trabalho e logo que chegava em casa repetia o processo. Porém, algum tempo depois, ela percebeu que havia algo errado. O vermelho de suas flores já não era mais tão vibrante como antes. Ester conversou com elas. Desculpou-se por não ter tanto tempo quanto gostaria para se dedicar aos seus cuidados e prometeu que iria dar um jeito de reverter aquela situação. Mas não teve jeito, os dias foram passando e elas não demonstravam sinais de melhora, pelo contrário. Ester chorou no dia que chegou em casa e viu que não restava mais muita vida naquele vaso.

Uma nova determinação brotou no coração da jovem garota. Ela foi a uma floricultura e adquiriu algumas sementes e mudas. Ela se via na obrigação de conseguir êxito naquela empreitada. Passou o final de semana inteiro afofando terra, cavando, semeando, regando. Ela tinha convicção que em pouco tempo veria lindas flores crescendo sob sua responsabilidade. 

Alguns brotinhos chegaram a despontar timidamente, mas não progrediram muito. Outros buracos sequer sofreram qualquer alteração desde o dia da semeadura. Ester não se conformava com sua incompetência e resolveu pedir conselhos à sua vizinha.

Dona Tereza estranhou um pouco a visita da garota que todos os dias a cumprimentava de longe, parecendo estar sempre com pressa e sem tempo. Mas foi simpática e receptiva. 

- Admiro muito o canteiro da senhora e queria algumas dicas, pois pretendo ter também algumas flores em meu quintal. – Ester lançou sem rodeios.

- Que bonito de sua parte! Não costumo ver muito interesse nesse tipo de coisa em garotas de sua idade. – a velha senhora respondeu.

- O problema é que acho que não tenho muito dom. – Ester falou com tristeza. – Não consegui manter por muito tempo um vaso com flores vermelhas que ganhei nem tive muito sucesso na minha tentativa de plantar mudas e sementes.

A vizinha olhou com ternura para Ester, deduzindo que ela não sabia muito sobre o assunto.

- Querida, cada flor é completamente diferente de outra. Não só nas cores, tamanhos e beleza. Cada uma exige cuidados específicos, como a quantidade de água que necessita, com qual frequência deve ser regada, a quantidade de sol e claridade que precisa receber. Cada qual com sua peculiaridade!

Ester ficou pensativa. Imaginava que aquilo seria mais fácil. Mas não queria abortar seu projeto sem insistir mais um pouco. Não queria parecer uma derrotada diante daquela mulher que mal a conhecia e começou a lançar questionamentos, como que pensando em voz alta:

- Poxa, não foi Deus quem criou as flores? Elas não nascem espontaneamente nos campos e florestas por aí? Porque tantos detalhes assim para tê-las em casa?

Dona Tereza estreitou os olhos e analisou o semblante confuso da menina. Balançou a cabeça e sorriu.

- Filha, o milagre da vida vem de Deus, mas a sobrevivência de sua criação depende de nós. As flores precisam ser plantadas e cuidadas por mim e por você.

Ester não daria o braço a torcer. Sua mente se iluminou quando ela pensou que poderia pesquisar na internet sobre qual flor era mais fácil de ser cultivada. Prometeu para si mesma que em breve voltaria para chamar a vizinha e convidá-la a conhecer seu belo jardim. Agradeceu a atenção de dona Tereza e voltou pra casa.

Começou a pesquisar em diversos sites sobre plantação e cultivo de flores, encontrando milhares de dicas. Depois de ler bastante, percebeu que nem todas as fontes concordavam em certos pontos. Ela estava acostumada a lidar com informações exatas, já que trabalhava na área contábil. Percebeu que seu sonho de infância se distanciava lentamente de sua realidade e que teria muito trabalho pela frente. Foi dormir arrasada naquela noite e pensou diversas vezes que o melhor mesmo era desistir. 

No dia seguinte, estava desmotivada para ir trabalhar, não gostava de se sentir incompetente, mas era exatamente como se sentia naquele momento. Ao voltar do trabalho, viu dona Tereza chegando em casa carregando várias sacolas. Ofereceu-se para ajudar a senhora, que sorriu docemente pra ela e agradeceu, dizendo:

- Já estou acostumada, filha! Mas entre um pouco. Ontem não deu tempo nem de lhe oferecer um café. 

Ester não recusou o convite. Estava meio amarga o dia todo e a companhia daquela mulher agradável talvez a faria bem.

- Não acha ruim morar sozinha, menina? – dona Tereza perguntou enquanto ajeitava as sacolas no armário da cozinha.

- No início estranhava um pouco, mas não mais. – Ester respondeu baixando os olhos.

- Eu acho horrível! Fiquei viúva há alguns anos e meu filho foi tentar a vida fora do país. Já estou velha e aposentada, a única companhia que tenho é de um gato mal-humorado e das minhas flores que você já conhece.

Ester se entristeceu com a história da vizinha. Não queria daqui alguns anos estar sozinha como aquela velha mulher. Sentiu pena e arrependeu-se quando pensou que já morava há vários meses ali do lado e nunca tinha tido essa conversa com dona Tereza.

- Não precisa fazer essa cara de piedade, bonitinha! Fui muito feliz durante os quarenta anos que tive meu marido ao meu lado e aproveitei muito cada etapa da vida do meu filho. Não fui uma velha solitária a vida toda. – a mulher deu uma risada animada. - E sua família, mora onde? – a senhora a encarou enquanto perguntava.

- Não tenho família. – Ester sussurrou. - Meu pai abandonou a mim e minha mãe quando eu ainda era bem pequena. Minha avó morreu não muito tempo depois. Mamãe teve que se desdobrar pra não morrermos de fome, mas isso acabou com a saúde dela. Quando eu tinha doze anos ela também se foi. Morei com uma tia-avó até os dezessete, depois me mudei pra cá. Com muita luta me formei na faculdade e consegui meu atual emprego. Precisei procurar uma casa mais perto do local de trabalho para não ter gastos com transporte e foi aí que me tornei sua vizinha.

- Poxa, sinto muito! – dona Tereza conseguiu falar.

- Acho que passei mais tempo da minha vida sozinha do que a senhora. – a garota suspirou.

- Talvez seja por isso que entendo mais do que você sobre certos cuidados... – dona Tereza falava, mas foi interrompida por Ester.

- Porque a senhora cultiva flores há mais tempo que eu? – ela levantou uma sobrancelha, voltando ao assunto de antes.

- Não estou falando só sobre flores, querida! – a velha disse enquanto entregava uma xícara com café à menina e sentava-se em uma cadeira do lado oposto da mesa, de forma que ficava de frente para Ester.

- O que tem a ver o fato de eu não ter família ou não ter sido casada e tido filhos com meu fracasso como jardineira?

A mulher respirou fundo. Olhou nos olhos de Ester e declarou com doçura:

- Pessoas são como flores. Você, nossos vizinhos, seus colegas de trabalho, todos. Fomos plantados por Deus e somos sustentados pelo amor. Precisamos ser regados, cuidados e podados.

- Como assim? – Ester perguntou intrigada.

- Ao incentivar alguém, estimulando, dando palavras de ânimo, você está “regando” esta pessoa. Dando fôlego para que ela resista e permaneça.

- Uau! – a garota piscava rapidamente tentando assimilar cada palavra da sábia vizinha.

- Você “poda” alguém quando aconselha, faz críticas construtivas, aponta falhas e soluções. – a mulher continuou com seu discurso, falando com firmeza.

- Faz sentido! – Ester balançou a cabeça em sinal de afirmação.

- E cuidar? Ah, essa é a melhor parte! – dona Tereza falou com um grande sorriso. – É elogiar, declarar palavras de carinho e amor. É estar à disposição para ouvir. É dar ombro para chorar, colo para aconchegar. Enfim, é dar atenção, se importar e até mesmo se preocupar.

Os olhos de Ester estavam cheios de lágrimas. Ela agora entendia que não era só sobre flores. Ela tinha muito que aprender ainda. Mas uma coisa era certa: foi graças às flores que permitiu que dona Tereza entrasse em sua vida.

Espero que tenham gostado. Que essa semana que se inicia seja linda e florida pra cada um!

Beijos e até breve!




You Might Also Like

1 comentários

  1. Que conto singelo, profundo e belo!

    Amo jardins e pomares, flores e frutos e também enxergo os relacionamentos (com Deus e com o próximo) como cultivo.

    Afinal, nosso Criador se chama de Agricultor e a nós, videira.

    Semeadura e colheita, regar, adubar, tratar de eliminar as pragas, tudo isso faz parte, assim como as, muitas vezes, temidas e indesejadas podas.

    Continue compartilhando conosco seus belos escritos que nos fazem refletir e transformar, Angélica.

    ResponderExcluir

Obrigada por participar do nosso Universo! Seja sempre muito bem vindo...

Acompanhe nosso Twitter

Formulário de contato