Caminho Crítica

Mar me quer, de Mia Couto

00:00Universo dos Leitores

(Uma história de três gerações de uma família narrada em oito curtos capítulos. Um romance? Uma novela? O cenário pode ser em Moçambique, terra de Mia Couto, que fica na costa africana banhada pelo Oceano Índico.)

Mar me quer. (Ou quero o mar?) Desfolhando a margarida: mal me quer, bem me quer, mal me quer, bem me quer. Brincadeira brincada há séculos. Malmequer. Bem-me-quer (que bem quando usado para compor nome pede um hífen). Em “Mar me quer”, do começo ao fim, Mia Couto deságua sua história a “lavar a língua” num jogo de palavras que perplexa o leitor. Captado pelos seus olhos, o texto atinge o seu pensar e se espalha por seu corpo, cabelos, ponta da unha do dedão do pé. Como um fio de água cristalina banha o que lê.

Zeca Perpétuo, pescador “reformado do mar” porta a voz do que narra esta intensa história inventada em concordância com os ditos do avô Celestiano, pai de Agualberto Salvo-Erro (que perdeu o juízo e saiu de casa cego e louco quando o filho Zeca Perpétuo tinha cerca de oito anos). Teria o Zeca, representante da terceira geração, sido incumbido de perpetuar a saga da família sempre a aventar os ditos do avô. 

Uma história de passado, de presente, de futuro. De desejos, mistérios, surpresas, solidão, paixão, amor... Amor de avô, pai, filho, de homem e mulher. Do amor tardio do Zeca por Luarmina, a vizinha de “brumosos passados”, gorda mulata que ele veio a conhecer após ir morar na herdada casa dos falecidos pais. Mar me quer, bem me quer, “o infinito cantochão de Luarmina” que “todos os fins de tarde, fica sentada num degrau da varanda e vai desfolhando infinitas flores”. E foi ela que acabou por entrelaçar tramas e urdiduras até compor o surpreendente remate da história. 

Da trama aqui pouco vou revelar, a não ser alguns trechos desgarrados. Pura provocação ao leitor. Desejava em verdade era trasladar o texto por inteiro, fragmento por fragmento. Por puro desfruto.

Em tempo presente, quando começa o relato, o Zeca diz que é “feliz por preguiça”. Que “a infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer”. À Luarmina afirma que “a vida é tão simples que ninguém a entende”. (p.9)

Certa feita, Zeca vira uma foto de Luarmina quando nova. Espantável beleza. Agora Luarmina é gorda e engordurada. Zeca vagueia. “A mulher, por razões de angústia, se deixara acumular, quilos sobre o peso. Eu entendo: uma boa maneira de esconder a tristeza é cobrirmo-nos de carne. O sofrimento é fatal quando atinge os ossos. Chegada aí, a tristeza se apressa em virar esqueleto. Sábio é dar cobertura ao corpo, intermediar gordurosas fronteiras.” (p.12) 

Luarmina quer saber das lembranças do Zeca. << Conte como foi, quero as coisas que foram e como foram. Essas que nos põem saudade... [...] Me fale sobre o seu passado.>> E o Zeca pensa “meu passado me pesa: minha infância morreu cedo, eu tive que carregar esse peso morto em minha vida.” (p.14) “A mãe, sempre ocupada nas lenhas, no fogo, no jantar.”



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