A garota que você deixou pra trás
Crítica
A garota que você deixou para trás, de Jojo Moyes
00:00Angélica Pina
Sophie Lefèvre é uma jovem francesa que saiu de Paris e
voltou para sua cidade natal, St. Perónne, quando seu marido, o pintor Édouard Lefèvre,
foi convocado para servir na Primeira Guerra Mundial. Sophie vive os horrores
de um período extremamente sofrido, pois alemães invadiram o pequeno vilarejo
em que mora com seus irmãos e sobrinhos. Junto de sua irmã Hélène, ela cuida de
um hotel e é obrigada a cozinhar todos os dias para o exército alemão, embora
sua família e seus vizinhos estejam caminhando para uma morte por inanição.
“Fiquei de frente para o espelho. Eu não olhava meu corpo
havia meses. Não tivera razões para isso. Agora, a silhueta que eu tinha
refletida diante de mim era a de uma estranha. Eu parecia ter metade da largura
de antes. Meus seios estavam caídos e murchos. Meu traseiro também. Eu estava
magra, e os ossos apareciam por baixo da pele: a clavícula, o ombro e as
costelas ganhando proeminência. Até meu cabelo, antes lustroso, estava sem
brilho. Cheguei mais perto e examinei meu rosto: as sombras embaixo dos olhos,
os leves vincos entre as sobrancelhas. Pensei na garota que Édouard deixara
para trás havia dois anos. Pensei no toque das mãos dele na minha cintura, seu
lábios macios no meu pescoço. E fechei os olhos.”
Sophie se apega ao máximo à esperança de que voltará a
encontrar seu marido, o grande amor de sua vida, tendo em um quadro pintado por
Édouard, onde ela é retratada em uma época bastante feliz de suas vidas, sua
única fonte de lembranças.
O Kommandant da tropa alemã também encanta-se pelo quadro de
Sophie e passa a conversar com a moça sobre arte, revelando um lado humano e
gentil, diferente da frieza e crueldade a que os franceses estavam acostumados
por parte dos invasores alemães.
Por causa dessa aproximação, Sophie decide propor uma
negociação ao Kommandant em troca de sua ajuda para que ela reencontre Édouard,
mas a jovem acaba sendo arrancada de seu lar por soldados e passa pela pior
experiência de sua vida, sendo levada em condições subumanas para um destino
que desconhece.
“Desde que eu descobrira que não rumávamos para Ardennes,
comecei a perder a fé. O Kommandant e seus tratos agora pareciam a milhões de
quilômetros de distância. Minha vida no hotel, com aquele balcão de mogno
lustroso, minha irmã e a aldeia onde eu crescera, haviam se tornado oníricos,
como se eu os tivesse imaginado muito tempo antes. Nossa realidade era o
desconforto, o frio, a dor, o medo onipresente, como um zumbido em minha
cabeça. Eu tentava focar, lembrar-me das feições de Édouard, sua voz, mas até
ele me faltava. Eu conseguia visualizar pequenas partes dele: o ondulado de seu
cabelo castanho macio em seu colarinho, suas mãos fortes; mas já não conseguia
juntar os pedaços num todo reconfortante.”
“O soldado na minha frente ia sentado o mais longe possível
de mim (...). Eu via o seu olhar: transmitia nojo. Eu já não era um ser humano
para ele. Tentei me lembrar de quando eu tinha sido mais que uma coisa, quando
até numa cidade cheia de alemães eu tinha dignidade, inspirava algum respeito,
mas era difícil. Meu mundo agora parecia ser aquele caminhão. Aquele chão frio
de aço. Aquela manga de lã, manchada de vermelho. O caminhão foi roncando e
sacolejando noite afora, fazendo breves paradas. Eu perdia e recobrava a consciência,
despertada apenas pela dor ou pela violência da febre. Aspirava o ar frio,
fumaça de cigarro, ouvia os homens falarem na cabine à frente e me perguntava
se algum dia eu tornaria a ouvir uma voz francesa.”
Aproximadamente 100 anos depois, Liv Halston, viúva do
arquiteto David Halston, está há quatro anos de luto, sem conseguir se reerguer
e voltar a ter uma vida tranquila e feliz após a repentina morte do marido. Liv
vive em Londres em uma casa maravilhosa, toda de vidro, projetada por David,
embora suas condições atuais estejam desfavoráveis para que ela consiga
manter-se morando ali. O item que ela tem mais apego em seu lar, o que dá cor
às suas paredes transparentes, é um quadro que ganhou de presente de seu marido
quando estavam em lua-de-mel, chamado “A garota que você deixou para trás”.
“Ela pega o celular ao lado da cama. Fica olhando para a
pequena tela à meia-luz. Não há novas mensagens. A solidão bate nela com uma
força quase física. As paredes ao seu redor parecem imateriais, não oferecem
proteção contra o mundo hostil para além delas. Esta casa não é transparente e
pura como David desejara: seus espaços vazios são frios e insensíveis, suas
linhas limpas estão emaranhadas de história, suas superfícies de vidro toldadas
pelas entranhas intrincadas das vidas.”
No dia do aniversário da morte de David, Liv decide sair de
casa para tentar se distrair e vai para um bar gay, onde bebe mais do que o
normal. Ao fim da noite, já bêbada, percebe que sua bolsa foi roubada, o que
deixa a noite ruim ainda pior. Paul McCafferty, irmão do dono do bar, solidário
à situação de Liv, oferece-se para ajudá-la a voltar pra casa, mas ela não tem
nem chaves para entrar em sua residência.
Os dois vão para a casa de Paul e têm
bons momentos juntos, uma conexão forte surge entre eles e Liv chega a cogitar
que talvez aquele homem poderá ser alguém que vai conseguir tirá-la de seu
luto. Porém, após alguns encontros, Liv o convida para ir até sua casa e ele
tem uma reação completamente estranha quando avista o quadro “A garota que você
deixou para trás”.
O fato é que Paul McCafferty trabalha em uma empresa de
restituição de obras de arte roubadas durante a Guerra e aquele quadro que ele
vê na casa de Liv, por ironia do destino, é seu próximo alvo. Quando Liv é
informada de que a família do pintor Édouard Lefèvre está em busca de reaver a
obra, atualmente avaliada em milhões, ela fica devastada por ter sido enganada
por Paul, que aparentemente aproximou-se dela somente por isso. Liv resolve
lutar bravamente para não perder a guarda do quadro, primeiramente porque
realmente tem grande apego por ele, mas também por não admitir perder para o
homem que a usou e enganou. Ela aprofunda-se na história da obra de arte e
passa a conhecer a história de Sophie, que a deixa encantada e determinada a
conseguir provar que o quadro não deve voltar à família de Édouard. O caso vira
notícia nacional, pois todos a condenam por querer possuir algo que pertence a
outras pessoas por direito.
“Ela liga o rádio, mas a música é muito irritante, as
notícias, muito deprimentes. Ela não quer se conectar à internet: é improvável
que haja alguma mensagem oferecendo trabalho e ela teme ver algo sobre a ação
penal. Não quer a fúria em pixels de um milhão de pessoas que não a conhecem
deslizar na tela do seu computador e entrar na sua cabeça. Não quer sair. Vamos lá, ela se censura. Você é mais forte que isso. Pense no que
Sophie teve que enfrentar.”
A narrativa de Jojo Moyes pode ser dividida em duas partes:
a primeira, narrada em primeira pessoa por Sophie e a segunda, narrada em
terceira pessoa contando a história de Liv. Mas após o momento que o leitor
percebe que há uma ligação entre as histórias, alguns flashes narrados por Sophie ressurgem durante a segunda narrativa.
Ambas histórias falam de amor, de perda e de sofrimento, mas em contextos
completamente diferentes. A autora teve o cuidado de usar até mesmo uma
linguagem totalmente diversa em cada uma delas.
Jojo Moyes já é conhecida por criar
histórias dramáticas e intensas, com personagens bem reais e não se apegar
muito a finais do tipo “felizes para sempre”. Sua escrita comove, faz refletir
e às vezes até chorar, mas também tem seu lado divertido. A garota que você
deixou para trás é um livro inspirador e marcante, super recomendo!
Leia também: Como eu era antes de você
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