Devido a sua abrangência e fácil acessibilidade, a
televisão torna-se o principal canal na construção de ideias por parte do
indivíduo. Também não é novidade pra ninguém que vivemos em uma sociedade
preconceituosa. Seja em relação à etnia, ao nível de escolaridade, à posição
social pertencente, ou em relação à orientação sexual, são comuns os casos em
que o indivíduo é julgado por um conceito pré-definido por parte do julgador.
O caráter abrangente da televisão,
combinado à mentalidade discriminatória da sociedade pode formar uma identidade
cultural negativa. Mas apesar do cuidado que o tema necessita, não são raras as
demonstrações de despreparo da TV ao abordar determinados assuntos, que trazem
consequências negativas às minorias ali tratadas em nome do entretenimento.
Indiferente ao resultado que isso
pode gerar em quem é marginalizado, a mídia por vezes ignora que nem sempre o
que se agarra ao gosto popular representa a realidade, assim por mais
carismático que seja um personagem, se não for bem trabalhado, este se torna limitado
e distante da realidade, acarretando na perpetuação de estereótipos
preconceituosos, principalmente no que tange o humor.
O humor em essência pode configurar dizeres que revelam
ou expressam traços de preconceito. Esse discurso, por muitas vezes, revela a
égide perversa da incomplacência através da desculpa do entretenimento a todo
custo e da licença artística. Chamo a atenção para o personagem Clô, Clodoaldo
Valério, vivido pelo ótimo Marcelo Serrado na novela Fina Estampa e agora dramatizado
na comédia “Crô”, atualmente em cartaz nos cinemas. Clô é a personificação do
austero estereótipo de Gay. Baseia-se em um jeito caricato de se mexer, vestir,
falar ou reagir histericamente a qualquer estímulo. A falta de profundidade do
personagem só não é pior que a forma debochada com que a homossexualidade é
externada.
Apesar de bem menos caricata visualmente, Jenny Harper
consegue ser ainda pior quando expõe uma homossexual beirando a ninfomania. O tema é tratado com mau gosto e provoca repulsa. No episódio Lesbian Zombie (7º epi da 11º temporada)
Jenny reduz as mulheres a vaginas. A forma violenta de se referir a alguém do
mesmo sexo à apenas uma parte do seu corpo na qual pode lhe proporcionar prazer, caracteriza a homossexual como um prolongamento do comportamento do homem anti-feminista.
Vivida pelo ator Rodrigo Sant’Anna, Adelaide
é uma mulher negra e pobre, que perambula pelo corredor do metrô pedindo
esmolas aos passageiros. Para caracterizar a personagem, o ator escurece a
pele, usa um nariz falso e uma prótese na boca, apresentando os dentes
defeituosos.
Dizer que esse personagem é simplesmente racista, é
ignorar o fato desse ser um tipo de racismo particulamente brasileiro, específico,
criado pelas mídias televisivas alheias ao que isso pode acarretar ao negro. A
personagem é prova concreta de que a utopia da democracia étnica continua a ser a
ideia predominante no âmago da máquina midiática.
Evidente que há
pessoas que se enquadram nessas características representadas por esses
personagens, mas ignorar a forma descabida e caricata de como esses são
construídos é ignorar o quão pode ser danosa à forma da TV apresentar um estereótipo
ao telespectador. Tais personagens são a
representação contemporânea da desumanização do negro,
do nordestino, do homossexual ou do pobre, que assegura o privilégio
de ser branco, heterossexual, e de classe média. Essa ferramenta ubíqua é a
quimera do poder que se manifesta forjando a realidade tal como querem que a
vejamos: ora expressando de forma tênue aos nossos olhos, ora completamente brutal.
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