Clarice Lispector
Como nasceram as estrelas
Como nasceram as estrelas, de Clarice Lispector
06:00Universo dos Leitores
Pois é, todo mundo pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas
é erro. Antes os índios olhavam de noite para o céu escuro – e bem escuro
estava esse céu. Um negror. Vou contar a história singela do nascimento das
estrelas.
Era uma vez, no mês de fevereiro, muitos índios. E ativos: caçavam,
pescavam, guerreavam. Mas nas tabas não faziam coisa alguma: deitavam-se nas
redes e dormiam roncando. E a comida? Só as mulheres cuidavam do preparo dela
para terem todos o que comer.
Uma vez elas notaram que falava milho no cesto para moer. Que fizeram as
valentes mulheres? O seguinte: sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso
sol amarelo. As árvores rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água
fresca. Quando saíram de debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino
das águas dos riachos buliçosos. Mas sempre procurando milho porque a fome era
daqueles que as faziam comer folhas de árvores. Mas só encontravam espigazinhas
murchas e sem graça. “Vamos voltar e trazer conosco uns curumins.” Assim
chamavam os índios as crianças. “Curumim dá sorte.”
E deu mesmo. Os garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em
frente e numa clareira da floresta, eis um milharal viçoso crescendo alto. As
índias maravilhadas disseram: toca a colher tanta espiga. Mas os garotinhos
também colheram muitas e fugiram das mães voltando à taba e pedindo a avó que
lhes fizesse um bolo de milho. A avó assim fez e os curumins se encheram de
bolo que logo se acabou. Só então tiveram medo das mães que reclamariam por
eles comerem tanto. Podiam esconder numa caverna a avó e o papagaio porque os
dois contariam tudo. Mas e se as mães dessem falta da avó e do papagaio
tagarela? Aí então chamaram os colibris para que amarrassem um cipó no topo do
céu. Quando as índias voltaram ficaram assustadas vendo os filhos subindo pelo
ar. Resolveram, essas mães nervosas, subir atrás dos meninos e cortar o cio
embaixo deles.
Aconteceu uma coisa que só acontece quando a gente acredita: as mães caíram
no chão, transformando-se em onças. Quanto aos curumins, como já não podiam
voltar para a terra, ficaram no céu até hoje, transformados em gordas estrelas
brilhantes. Mas, quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do
que curumins. Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem.
Para sempre. E, como se sabe, “sempre” não acaba nunca.
Clarice Lispector |
0 comentários
Obrigada por participar do nosso Universo! Seja sempre muito bem vindo...