Charles Bukowski Crítica

Especial Charles Bukowski: Misto Quente

13:00Isabela Lapa

O livro narra fragmentos da vida de Henry Chikaski, personagem que é um alter ego do escritor e que aparece em diversos livros do mesmo. 

O garoto alemão, que vive com a família em um bairro pobre dos Estados Unidos é filho de um pai fracassado, violento e abusivo, e de uma mãe submissa e ignorante. A sua realidade é dura, cruel, amarga e solitária. 

Além dos problemas em família, Henry enfrenta dificuldade na escola, tem poucos amigos, os professores o veem como um fracassado, a opressão social permeia a sua vida, perspectivas acerca do futuro não existem e, para tornar tudo ainda mais difícil, ele não faz o menor sucesso entre as mulheres, principalmente em razão gravíssimo problema de espinha que enfrenta na adolescência. 

O interessante acerca do personagem-escritor é que mesmo diante de todo o sofrimento que permeia a sua vida, ele não possui sentimentos de ódio (exceto em relação ao pai), não é um homem cruel e vingativo. Também é preciso mencionar que em momento algum ele se faz de vítima ou se deprime, pelo contrário! Mesmo com todas as dificuldades e sentimentos conflitantes que o envolvem, ele ergue a cabeça e tenta se manter forte, determinado e seguro. Sua fuga: a bebida!

Apesar da crueldade que envolve a realidade do personagem e que fica clara nas palavras utilizadas por ele, em alguns pontos o livro é permeado por um humor ácido e sarcástico. Bukowski nos apresenta uma obra tão intensa e tão sincera, que por vezes fica difícil perceber o que ele realmente passou e o que é fruto da sua imaginação.

A leitura é ágil, a narrativa é simples, impactante e permeada com muitos palavrões. Não se trata de uma história com final feliz, em que tudo deu certo e as dificuldades foram superadas. Em Misto Quente encontramos uma realidade suja e cruel: de uma criança assustada com o pai, passamos a um adolescente que enfrenta crises com os amigos e descobre a sexualidade de forma vulgar, e terminamos com um adulto sem perspectiva e repleto de vícios. 

O que Bukowski conta no livro é, pura e simplesmente, a vida real, sem contornos e sem disfarces. É exatamente na sua capacidade de se mostrar em máscaras para o mundo que reside o motivo do sucesso do seu trabalho: ele transformou o caos em arte. 

Este foi o primeiro livro do escritor que eu li e gostei tanto que com certeza lerei todos os outros, no entanto, é preciso salientar que não é um estilo que agrada a todos.

Algumas passagens:

"Sentei no sofá. Ficar bêbado era bacana. Decidi que sempre me embebedaria. A bebida levava o que era vulgar para longe, e talvez, se você conseguisse ficar afastado do que era vulgar por tempo suficiente, pudesse escapar desse destino."

"Estávamos todos juntos nisso. Todos juntos num grande vaso de merda. Não havia escapatória. Todos desceríamos juntos com a descarga."

"Era difícil para mim acreditar. Minha mãe tinha um buraco e meu pai um pinto que espirrava suco. Como eles podiam ter coisas como essas e continuar caminhando como se tudo fosse normal, conversando sobre banalidades, e então fazem aquilo e não contam nada para ninguém? Sentia realmente vontade de vomitar quando encarava a idéia de ter começado a partir do suco do meu pai."

"Escutei um barulho ecoando para fora do banheiro. Fechou a porta atrás de si. As paredes eram lindas, a banheira era linda, a pia e a cortina do chuveiro eram lindas, e até mesmo a privada era linda. Meu pai se fora."




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