Visões Noturnas é o primeiro livro do escritor Maurício Caldeira e reúne doze contos de terror e suspense. No entanto, diferentemente de alguns livros e filmes sobre o assunto, que tentam impor o medo e a angústia com histórias forçadas e apelativas, o livro de Maurício assusta e surpreende pela forma singela com que foi escrito. O autor usa de palavras simples e de um texto extremamente bem construído - os cenários são descritos com inúmeros detalhes e as suas angústias e medos dos personagens são apresentadas aos poucos, o que além de contribuir para a riqueza da história, aumenta o suspense e a curiosidade do leitor.
Com narrativas em primeira e em terceira pessoa, todos os contos são igualmente envolventes. Uma questão interessante nesta coletânea é que vários temores foram abordados: cemitério, morte, suicídio, solidão, bichos de pelúcia etc. Esta diversidade de assuntos, além de comprovar a capacidade de criação do escritor, que não se limita a um contexto único em suas histórias, condiz com uma parte da introdução do livro, em que ele menciona que "o terror está em cada canto".
Entre todos os contos do livro, três despertaram a minha atenção de forma especial: "Alta", "A Casa da Infância" e "A Força do Hábito".
"Alta" conta a história de Raul, que aos 90 anos relembra a época em que ficou internado em um hospital com pneumonia dupla. Os fatos que ocorreram nos dias de internação, quando tinha apenas 20 anos de idade, mudaram a sua vida e a sua ideia da morte - assunto que até então nunca havia passado pela sua cabeça.
"A Casa da Infância" tem Joseph como personagem central. O homem, que sempre foi considerado burro pela família e que sempre tirou notas baixas na escola, foi o único entre os irmãos que conseguiu alcançar sucesso profissional e financeiro. No entanto, o custo desse sucesso foi alto: não casou, não conquistou amigos, e os seus irmãos se afastaram completamente em razão da inveja. Certo dia, em uma viagem à antiga casa em que viveu com os pais, Joseph tem visões estranhas do seu passado e começa a questionar a importância de tudo que alcançou. A partir desse momento, sua vida toma rumos inesperados e o que ele acredita ser a porta para um recomeço é, na verdade, o fim.
"A Força do Hábito" nos apresenta a história de um homem que acorda sem saber onde está e como chegou ali. A angústia, a dúvida, a necessidade de ser visto e o pior: a certeza que o outro dia seria da mesma forma. Como prezo muito pelo controle da vida e das situações que me rodeiam, a angústia desse personagem me tocou com muita intensidade.
Além desses contos, os demais títulos do livro são:
- Royal Street Flash
- Auriel
- A viagem
- Como uma pedra
- Embaixo da cama
- Lado B
- O centenário
- O elefante é o pior
- O arqueiro
Sem dúvida Maurício atingiu o seu objetivo principal: assustou, causou impacto. Confesso que algumas histórias, mesmo sendo fictícias, conseguiram colocar em xeque as minhas crenças e as minhas "certezas".
Passagens interessantes:
"O medo nos castiga, mas nos instiga ao mesmo tempo".
"As pessoas devem querer viver e não morrer. A morte deve ser encarada como uma perda e não como uma vitória. As pessoas devem amar a vida e lutar para permanecer nela o maior tempo possível."
"- Denis, vou te dizer uma coisa. A verdadeira loucura está na total normalidade. Uma pessoa normal vê uma desajustada como louca, mas o contrário também acontece".
"Nunca havia pensado nisso até então. Para mim, a morte sempre havia significado um nada. Um nada que representava o apagar das luzes, o fim de tudo, uma espécie de ato final. Em um instante, a pessoa estava ali; no instante seguinte, já não estava mais. Porque é exatamente esse o tempo que a morte dura: um instante".
"A lembrança estava saindo da sua cova. E enchendo seu corpo e sua mente de medo.
Mas o medo era o menor dos sentimentos.
Era a culpa que lhe rasgava por dentro. Quem corroía seu fígado, injetando o amargo gosto da bile em sua boca. (...)"
Destaques:
- Mesmo sendo independentes, dois contos fazem menção a acontecimentos de outros.
- No Epílogo o escritor conta como surgiu a ideia para cada conto, o que comprova a naturalidade com a qual as histórias se apresentam para ele. Sim, a sensação que eu tive foi essa: ele não busca, não insiste, elas simplesmente acontecem a qualquer hora, em situações inesperadas.
- Para conhecer mais o trabalho do escritor, acesse o blog pessoal dele.
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