Era um mundo engraçado.
Ninguém enganava ninguém, ninguém se sentia enganado, ninguém perguntava "foi mesmo?", pois se disse que foi, foi. E se foi, foi mesmo. Confirmar não era necessário, averiguar nem existia, (da palavra avergoar pulava logo pra avermelhado, se fosse olhar no dicionário). As pessoas falavam a verdade. Juro. Por tudo. (Jurar, lá, era um verbo que jamais se usava.) As palavras e as ações eram tão amigas que só andavam juntas, sempre para um mesmo lado. O adjetivo mentiroso vivia sempre sozinho e o substantivo mentira não servia para nada.
Era um mundo esquisitíssimo aquele.
O trabalho das pessoas era coisa importante, levada a sério, respeitada. Todo mundo trabalhava nesse tal mundo esquisito e, o que é mais esquisito ainda, eles até ganhavam dinheiro, todos os que trabalhavam. (Umas notas coloridas. Cada nota valia tanto, e as pessoas sempre tinham notas, tantas quantas precisassem.) Existiam várias profissões: operário, professor, poeta, artista, carrasco não. Nem promotor. Ninguém julgava ninguém por pensamentos, palavras e obras, graças a Deus, e por crimes, muito menos. ("O que é crime?", perguntavam.)
Era um mundo extravagante, que mundo era aquele, aquele mundo?
As pessoas se gostavam. Os amigos não traíam. Gente não tinha medo de gente. Polícia só servia pra salvar gato de telhado, se algum ficasse preso lá em cima, coisa rara. Passarinho tinha muito, atiradeira não tinha, comida tinha de sobra, todo mundo tinha casa, ouvido sempre tinha música, olho sempre tinha paisagem, quem era criança sempre tinha brinquedo e quem era mulher sempre tinha um namorado.
Era um mundo muito doido, que mundo doido danado.
Acredite você que as pessoas até se amavam. Muito. Sem parar. De várias formas. De duas em duas, inclusive, era muitíssimo agradável. Era uma boca colada na outra, pares em pares de olhos, braços em volta de corpos, mãos indecisas entre tantas partes. Era amor pra todo lado, era uma coisa de louco, só vendo. A lua quase ficava maluca pra dar conta do recado. O pronome eu vinha seguido de tanta gentileza que o pronome você estava sempre rindo de felicidade.
Era um mundo tão bonzinho de se viver nele, era um mundo ótimo.
Tinha ficção e tinha realidade. Quando era realidade e acabava triste, não tinha acabado ainda, dizia-se. Mas se acabasse triste, então era ficção, era somente catarse. Pra rimar com beleza, na vida real, não valia tristeza. Seria inverdade. Nem por licença poética, por doidice, ou por piada, não se falava em tristeza e ponto final. Assunto encerrado.
Era um mundo completamente estapafúrdio.
Tinha ar, tinha terra, tinha fogo e tinha água. Pra todo mundo. O mar era limpo. O céu era claro. Todos tinham educação, saúde nunca faltava. Acredite ou não, gente era livre, artista era gente, arte era arte, notícia era boa, informação era certa, comentário era sério, intriga era zero, acontecimento era alegria, palavra era afago. O sujeito da frase vinha acompanhado constantemente por excelentes predicados.
Era um mundo muito generoso, não duvide.
Manhã era festa. Tarde era vento. Noite era beijo. Amor e desejo nunca se separavam.
Era coisa de romântico? Era um filme? Era um sonho? Era uma crônica besta? Era utopia?
Era um monte de bobagem? Era pura poesia? Era excesso de vontade?
Sei lá o que era.
Só sei que era um mundo assim, exatamente desse jeito, e tudo quanto era gente gostava.
(Adriana Falcão)
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