A Insustentável Leveza Do Ser Cia das Letras

A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera

14:17Kellen Pavão


                                                 

Publicado em 1982, “A Insustentável Leveza do Ser” de Milan Kundera tem um enredo simples e uma linguagem direta, que consegue trazer à tona profundas reflexões acerca da dicotomia peso/ leveza que permeia as relações humanas, tendo como pano de fundo a revolução cultural que sucede a invasão do exército russo à Boémia. 

A história gira em torno de quatro personagens, sendo um primeiro casal formado por Tomas, um médico apaixonado pela leveza da vida, intelectual e admirador de mulheres, (principalmente pelos detalhes que as tornam singulares) e Tereza, esposa simples e frágil de Tomas que a enxerga sob uma ótica quase que imaculada; e o segundo casal formado por Sabina, uma artista inteligente, determinada, transgressora e de alma leve, e Franz, que apresenta características semelhantes às de Tereza. 

Kundera faz com que os quatro personagens se completem; enquanto Tomas e Sabina são livres e buscam quebrar regras, Franz e Tereza buscam o conforto e a segurança de uma vida sem muitas mudanças. E é entre esse quarteto que autor questionará a manutenção e a integridade do eu , frente a segurança e a busca de se constituir uma família sólida, sem muitas transgressões. 

A vida dos dois casais tem como cenário a cidade de Praga e a invasão Russa de 1968. Milan Kundera também utiliza seus personagens, especialmente Tomas e Sabina para criticar o estilo kitsch na arte. O termo é utilizado para associar à predileção do gosto mediano e para criticar culturas de massa e a ideia de perfeição. Isto fica claro através dos personagens Tomas, o intelectual inquieto e Sabina, artista reacionária que adora romper com as tradições e os padrões vigentes; ambos sentem a necessidade de questionar o “socialmente aceitável”. Sabina se opõe ao kitsch nas manifestações artísticas como cinema, pintura e literatura e tenta fugir do tradicionalismo através de seu trabalho.

Ambos também representam a metáfora “leveza” destacada por Kundera, sendo livres, sensuais, apaixonados e extremamente eróticos. O peso é representado pela insegurança de Tereza e sua fragilidade e o medo de seu esposo de romper com o conforto deste relacionamento. Quando os personagens se envolvem há o conflito e esta dicotomia vem à tona. Tomas se vê dividido entre o amor imaculado da esposa e a paixão por Sabina; entre a leveza/peso e o eterno retorno. Franz, por sua vez, é a versão masculina de Tereza, e refugia-se em sua intelectualidade para não se prender a afetos. 

O autor ressalta ainda que a vida não tem ensaios, a vida é um rascunho, não temos nunca que não permite saber se a decisão que tomamos foi a certa, já que não há como voltar no tempo e comparar com o caminho alternativo, e através dos quatro personagens ressalta as relações amorosas.

É um livro sutilmente erótico, com uma leitura deliciosa, dinâmica, um apurado estudo histórico e que traz à tona reflexões acerca dos relacionamentos.

Passagens interessantes: 

“Enquanto as pessoas são ainda mais ou menos jovens e a partitura de suas vidas está somente nos primeiros compassos, elas podem compô-la juntas e trocar os motivos (…), mas, quando se encontram numa idade mais madura, suas partituras estão mais ou menos terminadas, e cada palavra, cada objeto, significa algo diferente na partitura de cada um”.

“Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está a nossa vida, e mais ela é real e verdadeira. Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes. Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”

Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo ‘esboço’ não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.”

“Mas o amor nascente aguçou nela a percepção da beleza, e ela jamais esquecerá essa música. Toda vez que a ouvir, tudo o que acontecer em torno dela, nesse momento, ficará impregnado com seu brilho. Aquele que deseja continuamente ‘elevar-se’ deve esperar um dia pela vertigem. O que é a vertigem? O medo de cair? Mas porque sentimos vertigem num mirante cercado por uma balaustrada? A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.”

“Mas era justamente o fraco que deveria saber ser forte e partir...São precisamente as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e que traçam as fronteiras da nossa existência.”


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