Texto da semana

Conto carioca, de Vinícius de Moraes

09:58Isabela Lapa



O rapaz vinha passando num Cadillac novo pela avenida Atlântica. Vinha despreocupado, assoviando um blue, os olhos esquecidos no asfalto em retração. A noite era longa, alta e esférica, cheia de uma paz talvez macabra, mas o rapaz nada sentia. Ganhara o bastante na roleta para resolver a despesa do cassino, o que lhe dava essa sensação de comando do homem que paga: porque tratava-se de um "duro", e era o automóvel o carro paterno, obtido depois de uma promessa de fazer força nos estudos. O show estivera agradável e ele flertara com quase todas as mulheres da sua mesa. A lua imobilizava-se no céu, imparticipante, clareando a cabeleira das ondas que rugiam, mas como que em silêncio. 


De súbito, em frente ao Lido, uma mulher sentada num banco. Uma mulher de branco, o rosto envolto num véu branco, e tão elegante e bonita, meu Deus, que parecia também, em sua claridade, um luar dormente. O freio de pé agiu quase automaticamente e a borracha deslizou, levando o carro maneiroso até o meio-fio, onde estacou num rincho ousado. Depois ele deu ré, até junto da dama branca. 

- Sozinha a essas horas? 

Ela não respondeu. Limitou-se a olhar serenamente o rapaz do Cadillac, com seu olhar extraordinariamente fluido, enquanto o vento sul agitava-lhe docemente os cabelos cor de cinza. 

- Sabe que é muito perigoso ficar aqui até estas horas, uma mulher tão bonita? 

A voz veio de longe, uma voz branca, branca como a mulher, e ao mesmo tempo crestada por um ligeiro sotaque nórdico: 

- Perdi a condução... Não sei... é tão dificil arranjar condução... 

O rapaz examinou-a já com olhos de cobiça. Que criatura fascinante! Tão branca... Devia ser uma coisa branca, um mar de leite, um amor pálido. Suas pernas tinham uma alvura de marfim e suas mãos pareciam porcelanas brancas. Veio-lhe uma sensação estranha, um arrepio percorreu-lhe todo o corpo e ele se sentiu entregar a um sono triste, onde a volúpia cantava baixinho. Teve um gesto para ela: 

- Vem... Eu levo você... 

Ela foi. Abriu a porta do carro e sentou-se a seu lado. Fosse porque a madrugada avançasse, a noite se fizera mais fria e, ao tê-la aconchegada - talvez emoção - o rapaz tiritou. Seus braços eram frios como o mármore e sua boca gelada como o éter. Vinha dela um suave perfume de flores que o levou para longe. Ela se deixou, passiva, em seus braços, entregue a um mundo de beijos mansos. 

Quando a madrugada rompeu, ele acordou do seu letargo amoroso. A moça branca parecia mais branca ainda, e agora olhava o mar, de onde vinha um vento branco. Ele disse: 

- Amor, vou levar você agora. 

Ela deu-lhe seus olhos quase inexistentes, de tão claros: 

- Em Botafogo, por favor. 

Tocou o carro. A aventura dera-lhe um delírio de velocidade. Entrou pelo túnel como um louco e fez, a pedido dela, a curva da General Polidoro num ângulo quase absurdo. 

- É aqui - disse ela em voz baixa. 

Ele parou. Olhou para ela espantado: 

- Por que aqui? 

- Eu moro aqui. Venha me ver quando quiser. Muito obrigada por tudo.
E dando-lhe um último longo beijo, frio como o éter, abriu a porta do carro, passou através do portão fechado do cemitério e desapareceu.

(Vinícius de Moraes)



*Postado Por Isabela Lapa

You Might Also Like

1 comentários

  1. O conto descrito no artigo explora a essência da vida urbana e das escolhas que moldam nosso dia a dia, trazendo reflexões sobre comportamento e decisões humanas. Curiosamente, essas mesmas escolhas e incertezas se refletem no mundo dos jogos de azar. No https://888-starz.com/ por exemplo, cada jogada é uma decisão que combina estratégia, intuição e um toque de sorte. Assim como no conto, é fascinante observar como pequenas escolhas podem levar a grandes desfechos, seja na ficção, na vida real ou em um jogo de cassino.

    ResponderExcluir

Obrigada por participar do nosso Universo! Seja sempre muito bem vindo...

Acompanhe nosso Twitter

Formulário de contato