“Pela fé, Abel ofereceu a Deus um sacrifício melhor do que o de Caim. Por causa de sua fé, Deus considerou-o seu amigo e aceitou com agrado as suas ofertas. E é pela fé que Abel, embora tenha morrido ainda falta.”(Hebreus, 11,4 Livro dos Disparates)
A partir desta passagem de uma das maiores obras do ganhador do Nobel de Literatura, o “desassossegado”José Saramago, que inicio a resenha de hoje. Esse é um dos maiores, mais críticos e mais divertidos livros de José Saramago.
Publicado em 2009, Caim retoma uma história bíblica dezessete anos após a famosa publicação “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, trazendo em suas páginas os aspectos já conhecidos da linguagem do escritor português. Saramago, que dispensa o uso de travessões, exclamações e interrogações brinca com a pontuação sem tornar a leitura menos compreensiva, e faz de Caim um dos livros mais envolventes, engraçados e interessantes que já tive oportunidade de ler.
Neste romance Saramago retoma um tema bíblico de forma divertida, trazendo à tona um incrível confronto ético-moral entre o Deus e o assassino de Abel, o mesmo da Bíblia.
Polêmica, a obra conta a história do evangelho de forma inovadora, possibilitando ao leitor uma reflexão sobre questões atuais. Declaradamente ateu, Saramago usa Caim para confrontar trechos de histórias bíblicas de forma crítica e inteligente, demonstrando que uma mesma história pode ser contada de diferentes pontos de vista, quando mudamos a perspectiva da leitura. Nos dois primeiros capítulos Saramago retrata a criação do mundo e dos primeiros habitantes da Terra, Eva e Adão. Logo no começo já nos deparamos com mais uma característica de escritor, que grafa todos os nomes em letra minúscula de maneira proposital.
Polêmica, a obra conta a história do evangelho de forma inovadora, possibilitando ao leitor uma reflexão sobre questões atuais. Declaradamente ateu, Saramago usa Caim para confrontar trechos de histórias bíblicas de forma crítica e inteligente, demonstrando que uma mesma história pode ser contada de diferentes pontos de vista, quando mudamos a perspectiva da leitura. Nos dois primeiros capítulos Saramago retrata a criação do mundo e dos primeiros habitantes da Terra, Eva e Adão. Logo no começo já nos deparamos com mais uma característica de escritor, que grafa todos os nomes em letra minúscula de maneira proposital.
Como nos relatos bíblicos, o primeiro casal de habitantes do mundo é expulso do paraíso e toma conhecimento de que existem outras pessoas na Terra. No terceiro capítulo somos apresentados a Caim, filho de Adão e Eva que mata o irmão por inveja e inicia sua batalha moral com Deus, ao atribuir ao criador uma parcela de culpa pela morte de Abel, fato que irá desencadear uma gama de questionamentos ao longo de toda a trama.
Sobre Caim recai uma condenação divina, determinando que o fratricida siga seu caminho como um “errante”. No entanto, diferentemente do texto bíblico a errância de Caim descrita por Saramago se dá no tempo, e não no espaço, fazendo com que o protagonista passeie por diversos espaços temporais como personagem de outras histórias já conhecidas do antigo testamento. Ele atravessa o período que antecede ao Grande Dilúvio, ou quando Caim presencia o pedido de Deus a Abraão, de quem o Senhor exige o sacrifício de matar o próprio filho para comprovar sua fé. Vale destacar que a errância de Caim pelo tempo não segue a uma ordem cronológica, fazendo com que ele vá ao passado ou futuro a todo instante.
Interessante também é o envolvimento com Lilith, com quem Caim vive um tórrido romance narrado por Saramago com muita sensualidade. Lilith, (personagem que não se encontra no evangelho) possui diversos amantes, sob o olhar passivo do marido Noah. Quando Lilith conhece Caim se encanta por ele que se torna seu único e devoto amante. O interessante é que em nenhum momento Lilith omite seus atos, ou foge de sua natureza, fazendo com que um comportamento “moralmente questionável” seja encarado com naturalidade pelo leitor, já que ela é sincera a ponto de afirmar à Noah que não o respeita e não esconde sua paixão por Caim, provocando a ira de Noah. Lilith se torna um dos diversos paradoxos morais abordados por Saramago.
Destaco também a escolha de Caim como protagonista, o anti- herói da bíblia que mata o irmão tomado por ira e inveja e passa a conviver com a culpa de seus atos, rancoroso na mesma proporção com relação a Deus. Através de seus embates ideológicos com o criador percebemos que o mesmo Caim que foi capaz de matar o irmão por inveja nos traz importantes reflexões, seja ao salvar Isaac ou questionar a morte de crianças inocentes durante a destruição de Sodoma. Esta "contradição" no comportamento do assassino condenado por Deus reforça a ideia de que ele guardava em si à dicotomia bem x mal inerente a todo ser humano.. É o que se interpreta do trecho a seguir:
“Apesar de assassino, caim é um homem intrinsecamente honesto, os dissolutos dias vividos em contubérnio com lilith, ainda que censuráveis do ponto de vista dos preconceitos burgueses, não foram bastantes para perverter o seu inato sentido moral da existência, haja vista o corajoso enfrentamento que tem mantido com deus, embora, forçoso é dizê-lo, o senhor nem de tal se tenha apercebido até hoje, salvo se se recorda a discussão que ambos travaram diante do cadáver ainda quente de abel.”
Não posso deixar de mencionar o sarcasmo presente em todo o texto, que faz com que os diálogos se tornem envolventes e engraçados, trazendo uma leveza incrível ao livro.
Assim, utilizando de todos esses, dentre outros tantos recursos seja de linguagem ou de enredo José Saramago nos mostra toda sua criatividade e genialidade fazendo de Caim uma de suas obras mais completas, deixando leitores apaixonados e desassossegados por todo mundo.
“Escrevo para desassossegar, não quero leitores conformados, passivos, resignados.” (José Saramago na apresentação de Caim)
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2 comentários
Ótima resenha!
ResponderExcluirÓtima dica
ResponderExcluirObrigada por participar do nosso Universo! Seja sempre muito bem vindo...