Inveja, agonia, melancolia e frustração.
Estes são alguns dos componentes que encontrei no angustiante Talco de Vidro, um thriller psicológico narrado pelo aclamado Marcelo Quintanilha. O quadrinista também é conhecido por seu trabalho em Tungstênio, sobre o qual já falamos aqui.
A história se passa em um bairro nobre de Niterói e conta a vida de Rosângela, uma dentista de classe média alta, profissionalmente bem sucedida, que tem todos os elementos tidos como "essenciais" para uma vida feliz de acordo com o conceito engessado de felicidade criado pela sociedade moderna. A dentista é jovem, compartilha um casamento estável com um marido atencioso, possui um bom carro, um apartamento bem localizado, uma profissão reconhecida e filhos que ama.
Esse modelo que é tão almejado por tantas pessoas como fonte inegável de realização pessoal é vivenciado e descrito com orgulho por Rosângela, que sente-se merecedora de tudo que conquistou, e por esta razão, apta para desfrutar de toda felicidade a que tem direito. Mas, como nem tudo que parece é de fato real, logo percebe-se que esta aparente vida perfeita esconde algo bem diferente da felicidade constante que Rosângela tenta aparentar. E o ponto de partida para todos os conflitos da história é um sorriso, um simples sorriso que vai comprometer todo o cenário de sonhos montado pela dentista.
Ao atender sua prima em seu consultório, Rosângela vê toda sua segurança em xeque ao deparar-se com o sorriso de sua prima, que chega bonita e radiante apesar de todos os problemas. A sua máscara de felicidade e de mulher perfeita logo é desarmada pelo sorriso despretensioso de sua prima que vive com uma simplicidade que a protagonista desconhece.
Ainda que as primas tenham convivido na infância, o estilo de vida sempre as separou e Rosângela se apoiou nestas diferenças de nível social para manter distância dos parentes da periferia. Sob a máscara de seus preconceitos sociais (velados diga-se de passagem), Rosângela sempre evitou manter contato com os problemas e com as dificuldades enfrentadas por parte de sua família.
Ainda que as primas tenham convivido na infância, o estilo de vida sempre as separou e Rosângela se apoiou nestas diferenças de nível social para manter distância dos parentes da periferia. Sob a máscara de seus preconceitos sociais (velados diga-se de passagem), Rosângela sempre evitou manter contato com os problemas e com as dificuldades enfrentadas por parte de sua família.
A prima de Rosângela sempre teve problemas em casa, seja com o pai alcoólatra, seja com a falta de oportunidades ou com a impossibilidade de estudar. Uma vida diferente para não dizer oposta à de Rosângela, com sua família estruturada, seu alto padrão de vida e sem grandes esforços para conquistar bens materiais que sua prima sequer cogitava ter.
Mas quando a prima sorria, nada, absolutamente nada disso importava. Não existia nível social, não existiam problemas, truques, nem marido, nem vida perfeita, nem diploma ou qualquer outra coisa que colocasse a prima em seu "devido lugar", segundo sua ótica. Aquele sorriso rebaixava Rosângela e tirava seu chão, escancarando sua vida tediosa, sua falta de perspectivas, sua rotina padronizada, sem paixão, sem vontade própria e sempre seguindo a cartilha do que é bom para as aparências. Logo, sua personagem de esposa e mulher perfeita (tão elogiada e desejada por todos) era aos poucos desconstruída diante de seus olhos com uma intensidade sufocante e opressora.
Mas quando a prima sorria, nada, absolutamente nada disso importava. Não existia nível social, não existiam problemas, truques, nem marido, nem vida perfeita, nem diploma ou qualquer outra coisa que colocasse a prima em seu "devido lugar", segundo sua ótica. Aquele sorriso rebaixava Rosângela e tirava seu chão, escancarando sua vida tediosa, sua falta de perspectivas, sua rotina padronizada, sem paixão, sem vontade própria e sempre seguindo a cartilha do que é bom para as aparências. Logo, sua personagem de esposa e mulher perfeita (tão elogiada e desejada por todos) era aos poucos desconstruída diante de seus olhos com uma intensidade sufocante e opressora.
A partir deste sorriso Rosângela inicia uma crise existencial e uma verdadeira obsessão pela prima, motivada pela inveja que a corroía e pela amargura provocada por aquele "maldito" sorriso permanente , mesmo diante da vida desgraçada que sua prima levava. Não importava o que acontecia, ela estava sempre ali: bonita, radiante, sorrindo onipresente enquanto Rosângela desmoronava por dentro.
Sua civilidade foi contestada por seus preconceitos sociais não revelados, muito bem disfarçados por uma cordialidade forjada e travestida de "boa educação". Sua honestidade foi confrontada cada vez que ela sorria diante dos elogios dos amigos à sua vida perfeita enquanto por dentro ela sonhava em fugir de todas as amarras sociais às quais se manteve atada ao longo de toda sua vida.
Mas até para isso falta-lhe a coragem de enfrentar a vida (a mesma que a prima tinha) e sobrava-lhe culpa, impedindo-a de admitir que nada a fazia feliz. Rosângela tornou-se uma alegoria de si mesma, um retrato do que todos esperavam que ela fosse.
Sua civilidade foi contestada por seus preconceitos sociais não revelados, muito bem disfarçados por uma cordialidade forjada e travestida de "boa educação". Sua honestidade foi confrontada cada vez que ela sorria diante dos elogios dos amigos à sua vida perfeita enquanto por dentro ela sonhava em fugir de todas as amarras sociais às quais se manteve atada ao longo de toda sua vida.
Mas até para isso falta-lhe a coragem de enfrentar a vida (a mesma que a prima tinha) e sobrava-lhe culpa, impedindo-a de admitir que nada a fazia feliz. Rosângela tornou-se uma alegoria de si mesma, um retrato do que todos esperavam que ela fosse.
Talco de Vidro apresenta um traço diferente de Tungstênio, deixando a tridimensionalidade de lado e dando espaço para desenhos chapados que captam bem as emoções, seja pelas expressões bem marcadas ou pelo roteiro rítmico caraterístico dos thrillers psicológicos. Os quadros conseguem prender a atenção tanto quanto o texto coloquial e hipnotizante de Quintanilha, capaz de nos levar da primeira à última página em poucos minutos.
A narração onisciente e às reflexões de Rosângela deram o tom da angústia vivenciada pela protagonista, que parte em uma viagem de auto-conhecimento acelerada. Os conflitos emocionais e a solidão de Rosângela me lembraram a angústia do professor universitário que protagoniza o "O homem duplicado" (romance de José Saramago adaptado recentemente para o cinema) . Também me lembrei de Cisne Negro, de Darren Aronofsky onde a personagem Nina concentra sua obsessão na figura da bailarina concorrente que em sua mente ameaçava seu sucesso e sua busca pela perfeição, o que de certa forma acontece em Talco de Vidro da parte de Rosângela em relação à sua prima. Indo um pouco mais longe me lembrei também do livro e filme Clube da Luta cujo protagonista também enfrenta uma libertadora crise existencial ao confrontar a banalidade da própria vida.
Talco de Vidro expõe de forma brilhante a fragilidade de nossas emoções e mostra a nossa vulnerabilidade frente à inúmeras amarras sociais. Rosângela é o retrato da falta de paixão e de coragem, só mais uma entre tantas mulheres e homens ligados à mediocridade de uma vida de aparências. Mais um trabalho brilhante de Marcelo Quintanilha que merece um bom lugar em qualquer estante.
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