Art Spiegelman Crítica

Maus, a história de um sobrevivente do Holocausto

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Tradicionalmente, uma fábula é uma história infantil com uma lição de moral, na qual animais representam comportamentos e características humanas. Em Maus - A história de um sobrevivente, vemos gatos e ratos vivendo como pessoas. Contudo, longe de ser uma história para crianças, na obra escrita e desenhada pelo cartunista Art Spiegelman, os ratos representam os judeus, enquanto os gatos são nazistas. Produzido a partir das gravações de conversas que o autor teve com seu pai, Maus levou treze anos para ser concluído e narra as atrocidades do Holocausto. Lançada originalmente em capítulos na revista Raw e depois em dois volumes, a obra causou enorme impacto quando lançada, ganhando vários prêmios internacionais e contribuindo para mostrar que os quadrinhos são uma arte madura, capaz de abordar temas sérios. 

Um relato detalhado e impressionante da violência e crueldade sofrida pelos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, Maus conta a história de Vladek Spiegelman, um polonês que sobreviveu ao campo de extermínio de Auschwitz, e de sua mulher Anja. Com quase trezentas páginas, a obra se divide em duas linhas narrativas principais. A primeira se passa no momento em que o autor começa a trabalhar no projeto da HQ, e mostra as visitas que ele fez a seu pai, numa sempre difícil convivência. A segunda linha é a narrativa histórica em si, que vai de 1935, quando Vladek conhece sua futura esposa Anja, até 1945, quando ambos saem de Auschwitz e se reencontram na cidade em que viviam antes da guerra. 

Nascido em Estocolmo, em 1948, e professor de artes visuais em Nova York, Art Spiegelman participou de revistas alternativas no início da carreira e, por isso mesmo, prefere que sua obra não seja chamada de graphic novel. Para ele, Maus é um genuíno exemplo de “comix”, ou seja, uma mistura de textos e desenhos que privilegia a narrativa. E, de fato, em Maus o roteiro e a narrativa são os pontos altos. Desde a primeira página, a luta pela sobrevivência, no contexto da perseguição nazista aos judeus e outras minorias étnicas, impõe-se à amizade e às relações pessoais. Nem o protagonista Vladek, e em especial ele, escapa à visão crítica e à narrativa realista de seu filho. Além disso, em momento algum há uma visão condescendente dos judeus, tampouco há heróis nessa HQ, exceto talvez por uma mulher que se arrisca para ajudar os prisioneiros sem pedir nada em troca.

Conciliando um estilo cartunístico a uma reconstituição histórica detalhada, Maus apenas aparenta simplicidade em seus desenhos. É óbvia a influência das criações de Walt Disney na concepção de um mundo povoado por animais humanizados, e o próprio autor chega a sugerir o motivo para ter utilizado esse recurso. Entretanto, no caso da obra de Spiegelman, há um lirismo visual e uma força de expressão que faltam aos desenhos mais padronizados dos Estúdios Disney. Sem heróis e muito menos super-homens, a obra segue a linha mais autoral de artistas como Will Eisner e Robert Crumb. Relato direto das atrocidades do Holocausto, Maus contribuiu para expandir os limites da arte dos quadrinhos. Atualmente disponível em volume único, se fosse uma fábula, provavelmente sua moral seria: prudente é aquele que se lembra dos erros do passado para não cometê-los novamente.

Wellington Srbek, nasceu em Belo Horizonte em 1974. É doutor em Educação e graduado em História pela UFMG, autor e editor de histórias em quadrinhos premiado nacionalmente. Profissional com vinte anos de experiência na criação e edição de revistas e livros, textos informativos e literários. É autor de trabalhos consagrados como o álbum Estórias Gerais e a série Solar, bem como de HQs infanto-juvenis e adaptações literárias.

Resenha originalmente publicada no blog Mais Quadrinhos.





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