Cia das Letras Crítica

Dias perfeitos, de Raphael Montes

00:00Angélica Pina


“Não era um assassino. Não era um monstro. Quando criança, passava noites sem dormir, as mãos trêmulas diante dos olhos, tentando desvendar os próprios pensamentos. Sentia-se um monstro. Não gostava de ninguém, não nutria nenhum afeto para sentir saudades: simplesmente vivia. Pessoas apareciam e ele era obrigado a conviver com elas. Pior: era obrigado a gostar delas, mostrar afeto.”

Téo é um estudante de Medicina que mora no Rio de Janeiro com a mãe paraplégica (que ele cuida a contra gosto, pois não consegue amá-la) e que tem como única amiga Gertrudes, um cadáver com quem ele convive nas aulas de Anatomia.

Certo dia, completamente contrariado, ele acompanha a mãe a um churrasco e lá conhece Clarice, uma garota com jeito maluquinho que puxa papo e revela-se muito diferente de todas as outras meninas que Téo já conheceu e que não despertaram qualquer interesse no jovem. Ele dá um jeito de descobrir seu número de telefone, bem como onde ela mora e estuda e passa a seguir Clarice, fato que começa a mostrar seu desequilíbrio e obsessão.

Enquanto a observa de longe, Téo vê Clarice bebendo excessivamente na companhia de um homem, aparentemente seu namorado e uma amiga, Laura. Depois que o homem vai embora, Téo segue as amigas no caminho pra casa e presencia tórridos beijos entre elas. Vê ainda Laura indo embora e Clarice decidindo dormir num canto escuro na rua, de tão bêbada que estava. Ele a leva pra casa e começa a se sentir no direito de entrar na vida de Clarice, disposto a fazer com que ela goste dele tanto quanto ele já gosta dela. 
Clarice conta a Téo que está escrevendo um roteiro de um filme (chamado Dias perfeitos) e que vai viajar para Teresópolis, local que ambienta parte de sua história, com o objetivo de aperfeiçoar seu texto. Como ela deixa bem claro para Téo que não quer envolver-se com ele, o estudante resolve tomar atitudes mais drásticas: dopa a garota e a seqüestra, levando-a para a pousada para qual ela iria. Na cabeça de Téo, eles só precisavam de um tempo juntos em um lugar como aquele para que ela o conhecesse melhor e passasse a amá-lo.

““Me dá uma chance?”
Ela balançou a cabeça de leve, quase imperceptivelmente. Terminou de arrumar as malas e fechou a menor, vazia. Esticou os braços e o tronco, relaxando o pescoço.
“Não é assim que funciona”, disse. “Nós nunca daríamos certo. Podemos ser amigos. Você não faz meu tipo: muito certinho, muito tradicional. Gosto de aventuras. Loucuras, sabe? Você ficaria de saco cheio do meu jeito. E eu ficaria de saco cheio do seu também.”
Clarice parecia daquelas mulheres que nunca iam se casar: sozinhas e autossuficientes.
“Não custa tentar”, ele disse.”
A partir daí, ele começa a fazer coisas completamente sinistras, todas com a justificativa de que aquilo é necessário para o relacionamento dos dois. Téo revela-se um psicopata, que acredita que tudo que ele está fazendo é por amor. Ele faz planos e os executa com frieza e maestria. Clarice é subjugada por ele, que a tortura física e psicologicamente. E essa história segue um ritmo eletrizante, de tirar o fôlego!

Dias perfeitos é o segundo livro do jovem autor Raphael Montes e já teve seus direitos de adaptação para o cinema vendidos. A narrativa mescla suspense e romance, cenas irônicas e outras extremamente violentas e aterrorizantes. A habilidade do autor de prender a atenção do leitor é tamanha que fica difícil largar o livro sem concluir a leitura. A cada novo acontecimento enchemo-nos de expectativa e até medo do que mais pode vir acontecer.
A possibilidade dada ao leitor de mergulhar dentro de uma mente psicopata e perceber como o personagem enxerga seus atos é surpreendente e fascinante! A personalidade de Clarice, bem como dos demais personagens, também é construída com cuidado e detalhada com destreza. 

Raphael Montes é de um talento ímpar, sua escrita é envolvente e é nítido o quanto ele conhece sobre os assuntos que narra. Um grande orgulho para nós, leitores brasileiros, poder ver nossa Literatura sendo enriquecida por suas obras! Leitura totalmente recomendada!!! 

“Eram quatro da manhã quando ela ameaçou abrir os olhos. Téo se aproximou com a seringa. Encontrou uma veia no braço direito e injetou a solução de Thiolax. Clarice ficou inerte quase no mesmo instante, bela adormecida. Enquanto não soubesse o que fazer, teria de mantê-la sedada.”

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