A Cultura no Mundo Líquido Moderno
Crítica
A Cultura no Mundo Líquido Moderno
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Desde sua obra mais conhecida, Amor Líquido, Bauman tem sido um dos teóricos e pensadores mais lidos, chegando à lista inclusive dos mais vendidos. Seu conceito de “liquidez” da modernidade, ao contrário de uma estrutura “sólida” anterior, por ser de fácil entendimento, caiu no gosto do pensamento médio e se adequou perfeitamente à mentalidade e às sensações individuais em relação ao mundo contemporâneo. A Cultura no Mundo Líquido Moderno, lançado em 2013, se utiliza desse conceito para descrever a cultura e principalmente o mundo da arte.
Zygmunt Bauman começa o livro apontando que a primeira questão que aparece na modernidade é a figura do “consumidor”, ou seja, aquele que se coloca diante de um produto para consumo, investimento de dinheiro pessoal para satisfação. Segundo ele, esse consumidor, na modernidade, se torna onívoro, um ser que consome de tudo, ao contrário dos “unívoros” dos séculos anteriores. Essa unicidade que havia antes do advento moderno se dá pelo fato de que antes a cultura tinha a função essencial de marcar as classes – o que ela dizia que era de “bom” e “belo”, assim se tornava e deveria ser passado para todas as demais classes. Bourdieu, a partir disso, afirma que o conceito de cultura era conservador, pois tinha com intuito a conservação das classes e das formas como tal. Depois, o que se viu, com a formação dos Estados Nacionais, foi a transformação da cultura em uma “missão”.
De cunho altamente messiânico, via-se na cultura uma potência de melhorar o povo, melhorar o país e assegurar a nação. Assim, aos poucos, foi se formando a chamada “modernidade líquida”. Bauman afirma que a modernidade líquida nada mais é que a:
“Modernização”, compulsiva e obsessiva, capaz de impulsionar e intensificar a si mesma, em consequência do que, como ocorre com os líquidos, nenhuma das formas consecutivas de vida social é capaz de manter seu aspecto por muito tempo. “Dissolver tudo que é sólido” tem sido a característica inata e definidora da forma de vida moderna desde o princípio.
A cultura, nesse contexto, “líquida”, estaria submetida ao consumo e, portanto, teria apenas clientes a consumir. Nesse contexto, Bauman vai pensar a questão da moda: para ele, moda é devir, ou seja, ela subverte a segunda lei da termodinâmica da entropia criando uma circularidade vazia que consegue impedir “entropia”, energia desperdiçada, pois ela é capaz de segregar. Ela sobre-vive (e este é seu problema, segundo o autor) porque compõe uma ambivalência essencial: o medo de ser diferente e ao mesmo tempo o medo de ser igual. A ideia de progresso, então, dentro dessa ambivalência, perde as linhas gerais coletivas e se volta exclusivamente para a sobrevivência pessoal, cuja máxima é “evitar o fracasso”.
Essa eterna busca por ser o outro, ao mesmo tempo em que se deseja ser singular – movimento que Kant já havia apontado como vontade de aproximar e segregar do homem – desloca a utopia da vida para uma utopia NA vida, ou seja, agora. No capítulo seguinte, sobre globalização, vão aparecer os desdobramentos dessa ideia para aquilo que seria a formação da manutenção de culturas dentro dessa lógica essencialmente individual e líquida.
Ora, a globalização, para Bauman, é o momento em que todos estão diante dessa forma amorfa e complexa que é “o outro.” O mundo que sempre nos coloca diante de nossa sobrevivência nos obriga, no entanto, a estar sempre ao lado do outro. E mais, nos força a lutar e garantir o direito do outro de ser diferente, assim como o nosso de evitar nos aproximar deles. O poder, segundo o autor, se organiza na chave de forçar a “briga” entre pequenos grupos por ideias, cuja característica é o não engajamento nas principais questões, enquanto lá de cima, como diria Caetano “exerce seus podres poderes”. Aparece, então, a noção de multiculturalismo que nada mais é do que um conceito criado pela esquerda cultural, evidentemente conservadora que cria “fortalezas sitiadas” de culturas que devem ser mantidas, preservadas, valorizadas, sem perceber que esse movimento, além de isolar, provoca uma total incapacidade de diálogo da cultura do que ela tem de mais essencial: a troca.
Assim, o maior valor do multiculturalismo seria uma “indiferença à diferença”:
O pluralismo cultural, ou multiculturalismo, é uma força socialmente conservadora. Seu empreendimento é a transformação da desigualdade social, fenômeno cuja aprovação geral é altamente improvável, sob o disfarce de “diversidade cultural”, ou seja, um fenômeno merecedor de respeito universal. (…)
O grande problema disso, segundo Bauman, é que:
Com esse artifício [meramente] linguístico, a feiura moral da pobreza se transforma magicamente, como que pelo toque de uma varinha de condão, no apelo estético da diversidade cultural.
Para o autor, a resposta para esse impasse está justamente na complexidade do continente europeu. A convivência, a proximidade de países, línguas e culturas, sempre foi uma característica essencial que, durante o momento do pré-modernismo, se tornou uma forma de controle que buscava a europeização de tudo a partir de lógicas de controle. No entanto, em nossos tempos em que a ordem se coloca diante de um enxame, ou seja, de uma completa dispersão, o outro próximo tende, caso haja interesse para tal, a deixar de ser visto como uma ameaça, mas como parte desse mosaico, dessa liquidez de tendências.
Bauman, enfim, vê a cultura em nossos tempos dentro de uma lógica instável de gerência do outro e ingerência da arte. A coexistência de tudo que existe é a forma líquida de sobrevivência das culturas, desde que supere a lógica de controle ou de hierarquia cultural. Os guetos, as organizações, as segmentações, formando diversos “centros” (deslocando-os da noção de periferia), coloca-nos diante de uma modernidade sem modernismos, ou seja, de rápidas transformações que não visam mais a destruição do anterior nem a projeção de um futuro, apenas a fruição e existência total de um agora.
A Cultura no Mundo Líquido Moderno é um eficaz complemento do conceito de liquidez moderna, agora olhando para a cultura e para o mundo da arte, demonstrando que não é apenas no sujeito e em sua subjetividade que as coisas andam cada vez mais fluidas e indistintas.
Revisado por Luisa Bertrami D’Angelo
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