Crítica Editora WMF Martins Fontes

O Escafandro e a Borboleta, de Jean Dominique Bauby

08:04Kellen Pavão


Em um dia qualquer em que eu trocava indicações de filmes com meu namorado, ele recomendou-me o "O Escafandro e a Borboleta". Eu já havia recebido esta indicação anteriormente, e como sempre ouvi falar muito bem da história resolvi pesquisar a sinopse, descobrindo que havia um livro homônimo baseado em fatos reais que inspirou a versão cinematográfica.

Pesquisei e logo após ler a síntese da obra, senti uma vontade imensa de começar a ler logo aquela história. Fui atraída de tal forma que busquei adquirir o livro imediatamente. 

Narrada por meio de letras grandes e em poucas páginas, mal sabia eu que estava diante de uma das mais emocionantes histórias que já conheci, que lhes conto a seguir.
Pois bem, com o livro em mãos pude mergulhar na vida de Jean- Dominique Bauby, um renomado jornalista e redator francês que sofreu um gravíssimo AVC que acabou por levá-lo a um coma. Voltando ao estado de consciência, Jean se viu preso na chamada "Locked-in Syndrome" ou Síndrome do Encarceramento, que como o nome já indica, inflige aos afetados a ausência quase completa de comunicação com o mundo. E é neste "quase" que reside a grandiosidade desta história.

Isto porque a síndrome em questão é um transtorno neurológico raro que implica na paralisia completa dos músculos corporais, à exceção dos músculos que controlam as pálpebras e alguns movimentos verticais dos olhos. Apesar da paralisia muscular, a consciência e o raciocínio são preservados, enquanto a comunicação é praticamente inviabilizada. Praticamente, já que Jean Dominique conseguia mover verticalmente apenas uma das pálpebras. 

Como ele mesmo disse, esta era sua janela para o mundo. Através de um piscar de olhos Jean se manifestava e mostrava que estava ali, consciente, vivo e dolorosamente ciente de sua condição, por mais que isto fosse difícil de externar. 

Não consigo imaginar o quão desesperador pode ser de repente tentar se mover e não conseguir, mas me choca ainda mais o fato de que, apesar da plena consciência, o "encarcerado" não consegue falar, sorrir ou simplesmente mover um dedo. E foi o que mais me comoveu ao longo da história.
Privado dos movimentos de seu corpo e da fala, Jean fez de seu olho esquerdo um canal com o mundo, a janela para a vida que ele usava para se manifestar. Ele, que apesar de imóvel conseguia sentir, ouvir e receber sinais externos o tempo todo,  ele que utilizou seus olhos para mostrar que os limites impostos pela vida podem e devem ser ultrapassados.

Jean nos narra suas impressões a respeito da vida no hospital, o trauma do acidente vascular cerebral, a síndrome do encarceramento, sua agonia em não poder tocar seu filho ou simplesmente espantar uma mosca inquieta que pousa sobre seu rosto. Jean não pode sequer relatar uma dor, mudar o canal da televisão, desviar o sol que ultrapassa a cortina do seu quarto e atinge seus olhos, comer o que sente vontade e todas aquelas atividades cotidianas que nos soam tão banais. Jean narra estas limitações com o desespero de quem não pode nem mesmo gritar para demonstrar o quanto aquela situação é angustiante.

Aos poucos seu olho esquerdo começa a se manifestar e, utilizando as letras de um alfabeto especial, ele vai se comunicando formando palavras lentamente, uma a uma. Seus avanços, cada pequeno gesto, cada progresso representam para Jean a perspectiva de uma vida melhor e logo ele começa a tentar conviver com a Síndrome do Encarceramento. O apoio de sua família e da equipe de médicos também se mostraram fundamentais para a melhoria do seu quadro clínico, juntamente com sua determinação e vontade de viver.
E a maior prova desta garra é o livro que descrevo nesta resenha: Jean- Dominique Bauby ultrapassou a barreira de seu encarceramento e, decorando frases inteiras, dia após dia ele ditou o "O Escafandro e a Borboleta", uma piscada após a outra. Sim meus caros, este livro foi escrito pelo mesmo Jean que estava privado de qualquer movimento que não o da sua pálpebra esquerda e, como se não bastasse, privado de sua fala também. Ele fez o que para muitos seria impossível, ultrapassou os limites de seu corpo para contar sua história e dividir a dor do encarceramento com o mundo.

Para quem não sabe, o escafandro é uma roupa de borracha impermeável usada por mergulhadores que se comunicam com a superfície unicamente por meio de um duto que permite suportar a pressão da água e possibilita a respiração. Jean se sentia preso a um escafandro no início da de seu tratamento. Todavia, Jean rompeu esta barreira e passou a ver-se como borboleta, conquistando o mundo para além de um duto ou de seu olhar. Jean se transformou e por meio da sua imaginação podia ser o que quiser, comer o que quiser e viajar para onde bem entendesse, tornou-se borboleta. Por meio de seu pensamento ele ganhou asas e provou a si que era capaz de ir muito além da prisão imposta pela síndrome.
A Síndrome do Encarceramento não tem cura, mas através de tratamentos, exercícios fonoaudiólogos e fisioterápicos, pode proporcionar um desenvolvimento motor que melhore a qualidade de vida do paciente, o que aconteceu com Jean.

Devo confessar que o livro me causou uma grande angústia, mas me agarrei à história de Jean e na sua perspectiva de sua melhora para seguir em frente e devorar o livro, e para a minha felicidade foi uma decisão muito acertada.

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